Veneramos a paixão, a vertigem de conhecer alguém, o desconhecido, as primeiras conversas, os primeiros beijos, o susto do ciúme, a fissura, a insônia do desejo. E a rotina sempre é vista como algoz do entrosamento, como a culpada pelo fim da atração.
Não é justo. Amor feliz é amor velho. É amor usado. É amor gasto, onde conhecemos o outro pela telepatia, onde não mentimos e nem fazemos cerimônia para expressar as nossas vontades. É quando se alcança o reinado da simplicidade, não há a urgência de sair para impressionar, de gastar para passar bem, basta uma comidinha caprichada e um chamego completo.
Relacionamento é como pano de prato. Quanto mais antigo, mais seca. Logo que o compramos, ele não serve para nada. Não lustra coisa alguma. É uma esponja seca. Uma gaze. Espalha as gotículas das vasilhas mais do que suga. Os fios estão separados demais no tecido para conter a água, esticados excessivamente.
Ele é bonito para estender no tampo de vidro do fogão, mas não é prático. Enfeita e não resolve.
Pano de prato precisa ser gasto para funcionar. Após um ano, é que ele realmente absorve. Antes, é decorativo. Antes, serve para ser exibido às visitas.
Ele oferece sinais de seu poder de ação quando fica manchado e castigado. Quando é um trapo das batalhas e almoços familiares. É quando você quer jogá-lo fora, que se torna valioso. É quando você já cogita dele para a limpeza do chão e do banheiro.
Naquela aparência imprópria, com indícios de aposentadoria, é que ele encontrou a sua maturidade, a sua rapidez, a sua competência.
Curioso que ele vira seu braço direito no serviço doméstico quando você perde a esperança e já não vê mais chance de ele voltar a ser branco. É ele virar uma relíquia feinha, que atinge a plenitude de seu trabalho.
O mesmo acontece com a intimidade. No instante em que você deseja se separar é que verdadeiramente a relação começa. Só quer se separar quem está impregnado de realidade, encardido de presença, abrindo a guarda e se esforçando para dar conta da louça suja dos defeitos.
Amor é como pano de prato. É o tempo que traz a experiência. É o tempo que ajeita as arestas. Amor velho é o que permanece, pois é o único que secará as suas lágrimas.
Publicado em Jornal Zero Hora em 18/07/17
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