terça-feira, 29 de agosto de 2017

MINHA MÃEZINHA

Minha mãe vai encolhendo. Cada vez mais abaixo a cabeça para receber a sua bênção. Ela levanta o braço direito com esforço para alcançar a minha testa, indecisa entre buscar uma escada e pisar na ponta dos pés.

Sempre que me despeço dela, recebo a sua proteção. Sou a sua prateleira de água benta. Não existe tchau sem o sinal da cruz e a reverência à maternidade.

Eu disse que a minha mãe vai encolhendo, mas só vem alargando a sua generosidade. Preocupa-se como o filho escritor se vira. Telefona nas manhãs, com a sua voz calma de feriado em dias úteis. Entrega semanalmente sorvete de pistache em meu apartamento, o nosso contrabando de doce.

Os pais diminuem de tamanho, arqueiam as costas, para serem os nossos bebês.

Eu já posso dar colo para a mãe, ela já cabe em meu peito, ela já entra no berço dos braços, ela já pode morar em meu ventre, ela não tem idade porque se misturou à minha vida.

Tão pequenina, tão amada. Seu corpo se apequena porque a alma não para de crescer.

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É uma criança sábia, anda em linha reta pela calçada, devagar, nunca se desviando da rota traçada, um passarinho que poderia voar e não usa as asas para não esnobar os humanos, um passarinho no fio elétrico invisível de Deus.

Minha mãezinha, mãezinha mesmo. O diminutivo é imensidão.

Quando eu me separei aos 30 anos e voltei para a residência materna, não me senti derrotado, não me senti fracassado, não me senti humilhado. Eu me veria assim se não tivesse a sua retaguarda. Sair de casa não é sair da família.

Foi um período em que finalmente pude aproveitá-la desprovido do ranço adolescente. Experimentei uma sortuda repescagem das tardes trancado no quarto.

Antes, jovem cabeludo e rebelde, eu apenas discutia, brigava e me interessava em sumir de perto. Naquele tempo de luto do amor, uma vez adulto, fazia questão de escutar as suas teorias sobre poesia e desfrutava do silêncio da cumplicidade para cicatrizar as feridas e as palavras. Tomávamos chimarrão e brincávamos de recitar versos um para o outro.

— Alguns são autores, mas todas as pessoas são poetas — ela esclarecia.

O entardecer e o amanhecer têm hoje os cabelos brancos da minha mãezinha.

Derrota é perder quem amamos antes do fim, pelo fracasso de nossa comunicação. O resto é agradecimento.

Publicado em Jornal Zero Hora em 09/05/17

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