Arte: Eduardo Nasi
Estudei em escola pública. Não somente carregava a mochila, transportava a minha cadeira para diferentes salas. Eu tinha uma cadeira de estimação.
Não havia classes suficientes. Se eu tinha aula de coral, era obrigado a levar a minha cadeira. Passava por todo o pátio com ela nas costas. Franzino, pequeno, fazendo frete diário dos sonhos. Estudar custava esforço, não se restringia apenas ler e escrever, precisava cuidar do raro material para que nada quebrasse pois nunca existiria reposição. A minha mesa, por exemplo, foi manca da primeira a oitava série – jamais recebeu conserto.
Emergi de um mundo abandonado. A cadeira deveria resistir como eu. Eu me enxergava como um guindaste de porto, contando os passos miúdos, à procura do alívio do desembarque. Pesava, mas não poderia demonstrar fraqueza aos colegas. Sempre fingi ser mais forte do que realmente sou até ser forte o suficiente para assumir as fraquezas.
Andava com a cadeira pelos corredores apertados da escola, antevendo os degraus por telepatia, obedecendo a ordem do diretor de não produzir barulho – mesmo sendo impossível o silêncio diante daquela desordem retirante.
Participava da fila indiana de pequenos viajantes a cada sinal do fim do período. Era o meu guarda-chuva de madeira. O meu barraco nos ombros. A minha tábua de mandamentos.
Marchávamos, e as cadeiras dançavam no céu.
A cadeira sentava na minha cabeça, tudo para poder assistir às disciplinas seguintes. O barulho de metal se aquietando no chão não me sai da memória: um exército depondo as suas armas.
Demorava dez minutos para ouvir de novo a voz da professora.
A minha alfabetização ia além do giz roçando o quadro verde. Entendi, desde cedo, a importância de lutar pelo meu lugar.
Publicado em Vida Breve em 12/07/17
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