terça-feira, 29 de agosto de 2017

A BOLA DA VEZ

Foto: Gilberto Perin


A vida requer paciência. A dança das cadeiras modificará o nosso olhar. Aquilo que um dia foi ruim pode ser bom, o que foi desagradável pode ser fundamental. Para ter sucesso, basta não sair do lugar e suportar a mutação das opiniões a seu respeito. Sidney Magal já foi o ó do borogodó, hoje é cult e programação fixa nos karaokês. Odair José já foi brega e hoje é cult, com shows triplicados. O popular e o intelectual se dão a mão com o tempo.
Por exemplo, repare o quanto alteramos o nosso posicionamento sobre o amigo que nunca bebe. Antes era o mais chato. Ninguém aguentava a sua companhia durante muito tempo nas festas. Você gritava, enlouquecia, descia até o chão em coreografias animadas, barbarizava e ele nem se mexia, como uma câmera de segurança. Frustrava às expectativas da dança tribal, de segurar nos ombros e gritar oooooh no estertor da madrugada. Estragava a alegria sempre com uma garrafinha de água e com a pupila absolutamente lúcida e aterrorizante. Parecia mesmo um segundo pai querendo ir embora.
Dispensávamos o amigo sereno, amaldiçoávamos os religiosos, os convertidos, os trabalhadores não-etílicos. Não beber se enquadrava no pecado da caretice, o equilíbrio soava com a natureza reacionária. Cumplicidade correspondia à boemia, e se divertir estava traduzido a empilhar garrafas e preencher engradados.
Com a balada segura e as blitzes de surpresa, o amigo sóbrio não é mais um pária da sociedade, não é mais um excluído, não é mais um filhinho do papai da Coca-Cola, um filho da mamãe do Guaraná. Pelo contrário, as suas ações e passes subiram no mercado. É disputado a tapas. Todo mundo quer sair com ele. Tornou-se uma parceria obrigatória, o motorista da turma. Ele é o euro da amizade, o dólar da amizade, a moeda de valor triplicado.
Quem lhe viu quem lhe vê. Temos que suportar prazerosamente as testemunhas de nossa bebedeira e de nossos colapsos amorosos.
O companheirismo a seco é o único que salva os nossos pontos na carteira.

Publicado em O Globo em 12/06/17

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