terça-feira, 29 de agosto de 2017

SUPER-HOMEM

Arte: Eduardo Nasi

Quando a criança gosta de uma roupa não tem mais como lavá-la. Não tem mais como convencê-la a tirar. Pode ser um capuz, um tênis, uma camiseta. O fetiche já surge desde pequeno, com a encarnação de um conto de fadas.

Toda criança aprende a se defender da realidade com a imaginação – é uma arma poderosa e também incontrolável.

Não invente de vestir o seu filho com a fantasia de seu herói predileto. Vai se arrepender. Ele não desejará voltar a ser como antes. O impulso para agradar enfrentará a resistência férrea para desfazer a magia.

Na minha infância, a mãe decidiu ceder ao apelo do Super-homem. Comprou o uniforme completo: a sunga vermelha, o cinto amarelo, a camiseta colada azul e a capa.

O que ela pensou que duraria um dia atravessou a eternidade da birra. Quem disse que eu aceitava me despir? Foram várias noites dormindo com a capa, recusando tomar banho ou correr o risco de ser enganado. Nem com kriptonita do Nescau quentinho de noite, eu cedia. Acreditava que seria capaz de voar, precisava apenas me acostumar com a vestimenta. Eu me tornei brinquedo de mim, o que complicava duplamente o desapego. Não havia como me colocar na estante e esquecer a brincadeira. Não admitia perder a realeza do transe.

Só desisti quando a minha irmã pôs a fantasia da Mulher-maravilha na semana seguinte. Surgiu na minha frente procurando brincar. Só concluí que se tratava de uma imitadora barata, sem personalidade. Ainda desejava passear de duplinha e formar a Liga da Justiça no quarto. Estava mais para um disfarce de Lex Luthor.

Fui sonhar de Fabrício que era mais seguro.

Publicado em Vida Breve em 31/05/17

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