terça-feira, 29 de agosto de 2017

QUANDO A ALEGRIA É VIOLÊNCIA

Foto: Gilberto Perin

Veja se na sua alegria não tem truculência. Veja se a sua algazarra já não carrega um ímpeto de destruição.
Não quer abraçar, mas esganar. Não quer partilhar um momento, mas esgotar o corpo. Não quer uma companhia, mas um escravo de suas vontades.
A tristeza esconde-se na euforia sob a forma da violência.
Veja se, quando canta, grita e obriga todos a cantar. Veja se, quando dança, pula e salta atazanando quem se embala diferente. Veja se, quando conta uma piada, não termina a palhaçada. Veja se, quando conversa com a família, implica até causar mal-estar.
O exagero indica infelicidade. O extremo sugere falta de noção dos limites - quem não se conhece acaba se excedendo. Imaturidade pode ser resumida em uma única sentença: não saber parar.
Apesar das gargalhadas, a alegria não é natural. Parece mais uma caricatura dos dentes arreganhados do que a emanação suave e espontânea dos lábios.
Trata-se de uma alegria intrusa, invasiva, autoritária, arrogante, tirana. Você não deixa ninguém à vontade, e constrange para obter vantagem. Tira o sossego dos demais para alimentar o próprio movimento e reduzir o tempo de reflexão.
Se a sua gentileza com o mundo é precedida pela vontade de quebrar tudo, algo permanece fora do lugar. Não se acha tranquilo, confiante e resolvido com a vida que leva, sequer parou para pensar e examinar as suas decisões.
É que você não encontrou a felicidade, a felicidade enquanto paz. Experimenta a descarga, a catarse, a explosão, não a constância. Realmente não está feliz consigo.
Vive num completo desequilíbrio, no jogo de compensações. É a melhor pessoa numa hora e a pior em seguida. A oscilação seria normal se não fosse marcada pelo exagero, ora muito alegre, ora muito triste. O muito sinaliza uma postura reativa.
Não é preocupante os altos e baixos do cotidiano, porém os altos altíssimos e os baixos baixíssimos.
A alternância brusca traz sofrimento, porque não consegue se controlar nem nos momentos bons, excedendo-se na bebedeira e na comida, nos gestos e nos horários, nem nos momentos ruins, ofendendo do nada e estabelecendo restrições gratuitas com os mais próximos. O contentamento é falso, apenas disfarça a angústia de não estar nunca satisfeito nem com aquilo que recebe e muito menos com aquilo que dá.
Não sabe o momento de ir embora da casa de um amigo, não percebe quando a festa passou do ponto, perde o timming, perde a elegância da solidão e do silêncio.
A verdadeira felicidade é mansa, com o olhar penetrante e fixo. Não precisa de plateia.

Publicado em O Globo em 01/06/17

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