Foto: Divulgação Pexels
Eu já falei que a minha mulher fez uma listinha das roupas que uso e que ela detesta. E que gosto mesmo de provocá-la saindo com o figurino proibido, como quem se veste para a fogueira da Inquisição.
Por outro lado, não tenho o que reclamar dela. Não é complacência, mas adoração caseira.
Para conviver perfeitamente com uma mulher, deve-se admirar também a sua preguiça. A preguiça é sensual e com a diferença de que ela é só feita para você, ninguém mais vê. A preguiça é absolutamente exclusiva, um segredo a dois.
Quando ela se embeca para nossos passeios, os outros partilham do encantamento. Não é a mesma coisa.
Minha atitude não é das melhores: um pouco de egoísmo, um tanto de ciúme, não duvido que possa se enquadrar no perfil doentio da possessividade. Entretanto, ainda é meu jeito de frequentar e respeitar a sua solidão.
Amo a minha mulher de vestido, de saia, arrumada, maquiada, pronta para badalar. Com decotes e rompantes. Com salto alto e sobreposições perfeitas.
Mas ela, além de bonita, é charmosa. E amo igualmente quando ela está à vontade em casa de calção e camiseta de flanela. E mais amo quando não dispensa um adereço afetivo de inverno em qualquer estação, um fetiche construído por uma mineira em terra gaúcha para enfrentar o frio: um par de meias pretas de lã.
Nunca larga as suas meias prediletas. Preciso confessar: é uma bota de esqui que transforma a paisagem de plátanos do bairro em uma montanha nevada. É o nosso Snowland. Ela voa pelo piso de madeira da sala. Desliza. Nem escuto os seus passos. A atração é hipnose.
Aquelas meias pretas são um show de fofura. Qualquer um poderia criticar que ela está à toa, até desleixada, nada combina com nada, porém é um engano: ela permanece elegante, dobrando as pernas como um origami perfeito.
As meias pretas têm a contundência de um espartilho. Eu me ponho de longe a observá-la. Pago camarote a espiar suas acrobacias ao contornar as mesas e os sofás.
Talvez seja uma prova de intimidade: ela unicamente tem coragem de realizar isso comigo, numa demonstração ilimitada de confiança.
O que sei é que ela nunca consegue se enfear. Beleza é quando você se arma, charme é quando você se desarma e continua irresistível.
Publicado em Donna em 24/04/17
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