terça-feira, 29 de agosto de 2017

RESILIÊNCIA

Arte: Eduardo Nasi

Minha mãe é partidária da resiliência. Se está ruim não espera que fique pior. Ela acende palavras e velas quando a vida escurece, em vez de amaldiçoar a escuridão.

Nunca comemorou apenas as boas notícias. Quando não tínhamos dinheiro na infância, com as contas pendendo no precipício, ela reunia os seus filhos para comemorar com um farto estrogonofe e batata palha. Parecia festa de casamento. Porque tristezas casadas são menos tristes.

– Comemorar o quê? – perguntávamos.

– Qual a graça de comemorar só as coisas boas? – ela respondia.

Não aniversariávamos conquistas, mas também fracassos. Era um jeito de acreditar sempre. Despertávamos o otimismo nas crises, mobilizávamos a nossa união diante das adversidades. Ríamos dos problemas para não aumentá-los com o rancor, o silêncio e o ressentimento. Reagíamos com leveza quando batíamos o carro,  ou quando acontecia um corte no orçamento. Jamais entrávamos em pânico. Alguém trancava o quarto para chorar na família e ela enchia a casa de flores para chamar as abelhas de volta ao mel.

Sua receita consistia em não se desesperar. As frases negativas possuíam força de ímã de maus conselhos.

Invertia as expectativas, renovava o poder da oração, mostrava que não tínhamos certeza se a situação desfavorável não abriria caminhos mais duradouros e definitivos.

– Quem diz que não foi o melhor do ruim, que fomos poupados de algo mais grave? – perguntava.

Minha mãe saia comigo quando perdia um emprego e brindava ao desconhecido:

– Fecha-se uma janela, abre-se uma porta.

Trocávamos o sangue das batalhas por duas garrafas de vinho. No lugar da camisa ferida e da mortalha do desânimo, a toalha manchada da mesa representava o nosso santuário da confiança. Não acusávamos o golpe. Pois, quanto  menor a realidade, maior será a esperança.

Publicado em Vida Breve em 05/07/17

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