A felicidade familiar pode ser medida pelo índice de frequência do sofá da sala.
Quanto mais a família se encontra na sala, seja para ver televisão, seja para suspirar pelos excessos do almoço e da janta, mais ela estará unida. Significa que todos preservam um tempo para se olhar nos olhos, para implicar, para se atualizar de afeto. Todos se procuram para conversar e saber como está a vida. Todos são todos, não cada um em seu quarto, não cada um em seu celular, não cada um em seu computador. Por um momento, ainda são todos.
O sofá da sala é filho da mesa de jantar. O sofá da sala é uma segunda cama, uma cama suplente para cochilos fora de hora. O sofá da sala é a preguiça coletiva. É o nosso lounge pré-histórico.
A manta que o sofá recebe, devido a um rasgão, é condecoração pelo uso. Família feliz tem manta no sofá. Pela estima, o sofá transforma-se no móvel mais difícil de ser trocado. Pois é um santuário das lembranças. Cria-se uma compaixão com a sua velhice. Pode estar puído e gasto, com as molas frouxas ou almofadas viradas para tapear os furos, e não se joga facilmente fora, ele é a cola da casa, o rejunte dos laços, o bote salva-vidas nas crises. Os filhos e pais pulam no sofá nas tempestades financeiras, esperando o sol voltar. É o sinônimo também de festas e da bonança. No sofá, visitas frequentes assumem a condição vitalícia de amigos e conselheiros, parentes enxergam um refúgio para sorrir e preservar as histórias engraçadas da linhagem.
Família desunida não fica no sofá. Seus integrantes fogem para os seus quartos, fecham a sua solidão em fones de ouvido, realizam a refeição em separado, mexem na geladeira em escalas diferentes, mal se partilham, mal se abraçam, mal se beijam.
O sofá é imovelmente novo e triste, como numa loja de decoração para ser vendido. Não é arrastado, não caminha com o peso da algazarra. Sem cheiro de ninguém. Sem farelos de pão e salgadinhos. Sem pipocas perdidas debaixo de sua base. Sem os círculos dos copos gelados. Sem conhecer produtos milagrosos de tira-manchas. É apenas um sofá, em vez de simbolizar o patrimônio da alegria caseira.
Na minha infância, os quartos eram sempre menores do que a sala. As camas eram menores do que o sofá. Para aprendermos a conviver e jamais nos escondermos no castelo das individualidades.
Publicado em Jornal Zero Hora em 13/06/17
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