Arte: Eduardo Nasi
Você pede desculpa, mas ri, então a desculpa não vale porque não levou a sério a conversa.
Você pede desculpa, mas se apressou em mudar de assunto, logo o depoimento é invalidado, não parece sincero, não soa do coração.
Você pede desculpa, mas estava de cabeça baixa, envergonhado, o que não oferece credibilidade.
Você pede desculpa, mas tem que ainda provar, tem que jurar que não irá repetir, que não é da boca para fora.
Pedir desculpa é uma loucura. Deve acertar o tom da voz, erguer o rosto, enquadrar os olhos e não brincar em nenhum momento.
No fundo, a dificuldade revela que não desejamos ouvir a desculpa do outro, simplesmente, facilmente. Queremos torturar quem errou.
A pessoa já pediu perdão e continuamos xingando, surdos. Como se já não houvesse ocorrido uma retratação. É que a interlocução se deu conta que errou antes do final do nosso discurso e do levantamento de nossos argumentos e não conseguimos desativar o sistema de fúria.
Não aceitamos desculpa sem sofrimento. Procuramos fazer o outro sofrer mais do que garantir um arrependimento.
Em vez de baixar as armas da saliva, continuamos com ela apontada e cuspindo verdades.
O que foi resolvido no primeiro round termina por se estender por pontapés verbais durante a madrugada. Não existe nocaute numa DR, somente decisão por pontos. Por mais que a desculpa venha nas primeiras frases.
A briga poderia ser abreviada. Entretanto, quem exige desculpa reivindica engajamento e mortificação. O sadismo não tem limites dentro da dor.
A remissão fulminante não será aceita, enquanto a sua natureza não passar por longa análise e acareação para verificar se ela é real.
Não se acredita na desculpa em bate-pronto. A neurose proíbe reconciliações.
Publicado em Vida Breve em 28/06/17
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