Não posso dizer que não subi na vida.
Já estou infinitamente melhor do que na minha infância.
Quando pequeno, não tinha nem uma toalha própria para tomar banho. Dividia com o meu irmão mais novo.
O box não tinha divisória do resto do banheiro. Era eu, a água e o ralo. Um vestiário absolutamente pobre. Só havia a tampa da privada para proteger a roupa seca.
O rodo ficava atrás da porta e sempre tinha que ser faxineiro ao final da chuveirada. Mal me lavava e já estava suado. O espaço se transformava num convés de barco em tempestade, absolutamente alagado.
Na adolescência, houve uma evolução dos hábitos. Recebemos uma cortina floreada para nos banhar mais em segredo. Porém, a paz não durou uma semana. Com o vento da janela, a cortina grudava no corpo e nos plastificava. Eu lutava mais com a cortina do que com a água. Não podia permanecer muito tempo debaixo da torrente. Cinco minutos de chuveiro elétrico e caía o interruptor de luz — meu pai não arrumava de propósito, para economizar energia. Não adiantava gritar, que ninguém acudia.
Torrente nada. Vinha um fiozinho quente com acalentado custo. Rezava para não virar a torneira demais e perder a quentura. A torneira parecia um cofre, cuidando com cada giro. A torneira parecia um lápis: ao atingir a ponta, quebrava-se a perfeição em seguida por um movimento adicional. Jamais recuperava a temperança.
A cortina floreada, de tanto se contorcer, sem fixação nenhuma nos pés, acabava deixando tudo igualmente inundado e lá tinha que buscar o rodo de novo.
Nunca a gota fria na descida da ducha foi solucionada na minha puberdade. Ela vinha do nada para nos devolver a humildade. Não tem noção de como aquilo me afetou, o mesmo que se defender de um inimigo invisível, estapear uma mosca imaginária. Por pouco, não virei esquizofrênico.
No começo da faculdade, a família instalou finalmente um box de acrílico — estávamos perto da civilização.
Mas a porta de correr emperrava com frequência, numa sanfona frouxa. Ensaboado, não contava com firmeza para colocá-la de volta nos trilhos. Um dia, saí do banho literalmente com a porta nas mãos.
Hoje, tenho um box de vidro e um chuveiro potente e constante que cobre todo o meu corpo. É a grande promoção da minha longa história, nada irá superá-la. Um luxo que os meus filhos não vão entender.
Publicado em Jornal Zero Hora em 01/08/17
Um comentário:
Nunca tinha pensado nessa evolução (rsrs) volta e meia ainda me pego nessas situações, acho q não evolui o bastante, o chuveiro com água farta teve que ser substituido pq a rede elétrica não aguentou kkkk
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