quarta-feira, 30 de agosto de 2017

ESTOU NO BANHO

Não posso dizer que não subi na vida.
Já estou infinitamente melhor do que na minha infância.

Quando pequeno, não tinha nem uma toalha própria para tomar banho. Dividia com o meu irmão mais novo.

O box não tinha divisória do resto do banheiro. Era eu, a água e o ralo. Um vestiário absolutamente pobre. Só havia a tampa da privada para proteger a roupa seca.

O rodo ficava atrás da porta e sempre tinha que ser faxineiro ao final da chuveirada. Mal me lavava e já estava suado. O espaço se transformava num convés de barco em tempestade, absolutamente alagado.

Na adolescência, houve uma evolução dos hábitos. Recebemos uma cortina floreada para nos banhar mais em segredo. Porém, a paz não durou uma semana. Com o vento da janela, a cortina grudava no corpo e nos plastificava. Eu lutava mais com a cortina do que com a água. Não podia permanecer muito tempo debaixo da torrente. Cinco minutos de chuveiro elétrico e caía o interruptor de luz — meu pai não arrumava de propósito, para economizar energia. Não adiantava gritar, que ninguém acudia.

Torrente nada. Vinha um fiozinho quente com acalentado custo. Rezava para não virar a torneira demais e perder a quentura. A torneira parecia um cofre, cuidando com cada giro. A torneira parecia um lápis: ao atingir a ponta, quebrava-se a perfeição em seguida por um movimento adicional. Jamais recuperava a temperança.

A cortina floreada, de tanto se contorcer, sem fixação nenhuma nos pés, acabava deixando tudo igualmente inundado e lá tinha que buscar o rodo de novo.

Nunca a gota fria na descida da ducha foi solucionada na minha puberdade. Ela vinha do nada para nos devolver a humildade. Não tem noção de como aquilo me afetou, o mesmo que se defender de um inimigo invisível, estapear uma mosca imaginária. Por pouco, não virei esquizofrênico.

No começo da faculdade, a família instalou finalmente um box de acrílico — estávamos perto da civilização.

Mas a porta de correr emperrava com frequência, numa sanfona frouxa. Ensaboado, não contava com firmeza para colocá-la de volta nos trilhos. Um dia, saí do banho literalmente com a porta nas mãos.

Hoje, tenho um box de vidro e um chuveiro potente e constante que cobre todo o meu corpo. É a grande promoção da minha longa história, nada irá superá-la. Um luxo que os meus filhos não vão entender.

Publicado em Jornal Zero Hora em 01/08/17

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca tinha pensado nessa evolução (rsrs) volta e meia ainda me pego nessas situações, acho q não evolui o bastante, o chuveiro com água farta teve que ser substituido pq a rede elétrica não aguentou kkkk