terça-feira, 29 de agosto de 2017

CAVERNAS DIGITAIS

Foto: Gilberto Perin

Ainda não foi inventada uma etiqueta para as redes sociais, mas deveria existir para evitar as sucessivas crises conjugais e estremecimentos em romances. Não há uma normatização do que é certo e errado, do que é desvio ou regra. Ninguém comenta para não soar moralista.
Todo namoro estabelece o que pode ou não pode no início do compromisso, e esquece de incluir uma bússola na navegação pela web. Preocupa-se com a profanação na realidade, e nem um pouco com assanhamentos virtuais.
Urge um padrão de linguagem para prevenir ciúmes e cantadas involuntárias.
Aquilo que você usa com a sua alma gêmea não deve ser banalizado com terceiros, reivindica uma diferença de tratamento.
O que vejo é um swing no WhatsApp, Instagram e Facebook. Uma relação aberta para todos os lados. Aquilo que um homem envia para uma desconhecida envia também para a sua esposa, o que uma mulher comenta para um desconhecido repete também para o marido.
Qual a graça? O amor vai sendo banalizado e perde a exclusividade a dois, a diferença fundamental da intimidade.
Como as ferramentas são novas, emprega-se a criptografia no atacado e não se percebe as traições secretas e as sugestões de infidelidade. Alguns até não identificam mesmo e espalham generosamente os sinais na mais completa ingenuidade. A maioria tem noção do perigo e se aproveita da duplicidade para fomentar relacionamentos paralelos.
Emoji é palavra, e não merece ser reduzido e infantilizado a um mero desenho. Mantém pretensões de agradar e informar o que estamos sentindo, não é um ato à toa e gratuito. Guarda potência de vontade, apesar de sua caricatura divertida.
Se você está namorando, não será deslealdade mandar para estranhos corações ou rostinhos com olhos de coração saltando? Não é forçar uma aproximação? Não é uma facilitação sentimental?
Se você está casado, não é estranho curtir todas as fotos de alguém? Não traz uma ideia de perseguição e insistência, de claro interesse?
Só porque é uma ilustração não deixa de ser ofensiva. É um cortejo amistoso e disfarçado, mas permanece sendo sedução. Guarda interesses subterrâneos, permitindo a retribuição dos mesmos signos e abrindo a guarda para declarações e juras nas cavernas digitais.
É compreensível a irritação poderosa criada pela exposição nas redes e suas torres de controles.
Só pense com seus botões: se a sua namorada ou namorado já fica em fúria quando vê você online sem responder, imagine quando descobrir que anda trocando figurinhas de "emoji é" com outras e outros?
Mais tarde, mais cedo, um dia será fatalmente printado.

Publicado em O Globo em 04/05/17

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