terça-feira, 29 de agosto de 2017

OS ADOLESCENTES NÃO SOFREM POR AMOR COMO ANTES

Foto: Gilberto Perin

Os jovens não sofrem como antes sofríamos por amor. Não acontece mais a bebedeira, a sarjeta, o quarto fechado por dias consecutivos, os lençóis pantanosos que somos obrigados a arrancar à força para lavar.
Eu quase morria com as paixões platônicas da adolescência. Não conseguia conversar com ninguém, gastava uma canção até furar os tímpanos e me isolava a ponto de enxergar os objetos no escuro.
Werther não existe mais. Não existe mais a crença pelo amor por toda a vida. As brigas e os divórcios litigiosos dos pais começam a oferecer os primeiros efeitos colaterais. Rompeu-se com a idealização e a hibernação dos pensamentos.
Hoje os adolescentes surgem mais maduros, terminar uma relação não é matar o futuro, é somente seguir adiante. São mais higiênicos e desencanados. Mais realistas que os adultos. Aceitam os foras e as recusas com naturalidade. Não levam para o lado pessoal. Admitem as diferenças e reconhecem as falhas. Não sangram a gengiva, não jogam roupas e objetos dos ex pelas janelas, não geram a discórdia e as fofocas.
Quando os meus filhos encerraram um romance, eu pensava que vinha uma calamidade dali por diante. Afiava os melhores conselhos, preparava panelão de sopa, comprava sorvete, ficava de plantão sentimental. Só que nada acontecia de caverna e tristeza. Nem aborrecidos se mostravam. Emendavam a sua rotina, leves e bem-humorados. Eu conversava com os meus botões: como que ainda conseguem rir após uma ruptura? Simplesmente entendem que a paixão tem ciclos e a eternidade é feita de dias bons e ruins. A amizade vem em primeiro lugar, amizade consigo e com os demais, e o amor não é tão decisivo e fatal como outrora.
Não morrem de esperança, não adoecem por tudo o que não foi vivido, não ruminam as palavras salvadoras que não foram ditas, não repassam o discurso do fim milhares de vezes para detectar aonde erraram.
Não há mais aquele vodu do meu tempo, aquela vingança silenciosa, aquela odisseia pela reconciliação, aquele orgulho ferido e furioso.
Talvez seja a derrocada dos estribilhos de fossa e dos refrões graves e descorneados dos sertanejos. Talvez a dor de cotovelo seja somente diagnóstico de reumatismo.
O amor mudou, e desapareceu a sua turbulenta melancolia. É como música eletrônica: não definimos ao certo quando começa uma e termina a outra.

Publicado em O Globo em 29/06/17

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