Foto: Divulgação Donna
Eu enganei a escassez da adolescência participando dos sorteios da rádio. Vivia sintonizado para receber um disco ou um par de ingressos. Meus ouvidos estavam colados na voz do locutor como se fosse números de um bingo.
Morava sozinho, não tinha dinheiro para sair e tampouco passaria a vergonha de pedir ajuda para os pais. O que eu fazia? Caçava enquetes nas rádios. Pulava de um quiz-show para o outro. Soprava nomes de atores, solucionava charadas, descobria letrista oculto em canções, improvisava declarações de amor; topava tudo. Os apresentadores reconheciam a voz e acabavam envergonhados com a minha constante frequência.
Lembro do diálogo:
– Quem fala?
– Fabrício, do bairro Petrópolis.
– Você de novo?
A que mais me municiava o meu rebanho de vacas magras era a Rádio Cidade. Não foram poucas as vezes em que eu subi o Morro Santa Tereza para buscar cortesias. As namoradas do período não entendiam como arrumava entradas. Acreditavam na minha influência, mal sabiam da chinelagem disfarçada de glamour. Aparecia de repente com vales para lançamentos, shows e peças de teatro. Grande parte da minha vida social, eu devo para o dial. Jamais abri os meus truques e revelei a roda da fortuna. Mantive a mágica do mistério com um sorriso irônico.
Numa época sem celular e sem telefone fixo no apartamento de solteiro, terminava por me enganchar no orelhão. Rezava primeiro para ser atendido – milhares de pessoas tentavam como eu. Não dava para desistir diante do sinal de ocupado. Depois, quando selecionado para falar, rezava para que as fichas sustentassem a ligação. Não podia me demorar, escutava o aparelho engolindo os meus valiosos minutos com ansiedade e sofreguidão. Quando acertava a resposta no programa ao vivo, vibrava e já desligava abruptamente, antes de ser cortado pela falta de crédito.
Resolvia o final de semana perseguindo promoções. Carregava um radinho de pilha no bolso durante a universidade para não chegar atrasado nas ofertas.
Colecionava, igualmente, cupons de desconto em revistas e jornais. Acho que os meus olhos são feitos de linhas pontilhadas.
Nunca fui redundante, pobre materialmente e de espírito. Compensava a ausência de bens com voluntarismo. Nem tive tempo de ser tímido. Por pior que seja, valorizo a apresentação de um artista em minha cidade. Sei o quanto vale o ingresso. Ao longo da juventude, lutei enormemente com as palavras, e um pouco de cara-de-pau, por cada um deles.
Publicado em Donna em 26/06/17
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