terça-feira, 29 de agosto de 2017

TOM CRUISE

Google é a nossa geriatria. O começo da velhice. O asilo das lembranças. Pelo número de palavras da busca, você já identifica se envelheceu. Quem realiza expedições com uma palavra apenas ainda é jovem e de memória saudável e ativa. Quem faz buscas com uma frase está caducando. Quem tenta encontrar algo com um parágrafo não lembra de mais nada.

Os caracteres entregam o tamanho do nosso esquecimento. Quanto mais, pior. Estou experimentando uma debilitação irrecuperável no meu banco de dados. Antes digitava no Google o que me recordava imprecisamente, quando não vinha o estabelecimento de imediato. Agora tenho que escrever: ¿restaurante italiano em Canela, perto do Mundo a Vapor¿. Logo mais estou descrevendo um retrato falado. Chegará o clímax em que colocarei vagamente ¿em uma praça, de uma rua central, na esquina de um avenida nomeada de um político gaúcho famoso, onde havia uma ferragem¿.

O que era simples confirmação virou pesquisa científica. Cada vez mais perco tempo no site de buscas. Há 10 abas do Google abertas em meu celular, rastreando as informações mais aleatórias. Minha memória vai perdendo a potência dos olhos e apalpando as letras. ¿Como é aquele ator de olhos verdes do último filme de Kubrick, que foi casado com aquela loira e os dois acreditavam em seita de alienígenas?¿

Converso longamente com o Google, não mais digito. A cartografia das coisas me escapa. Saber que ele existe me torna preguiçoso e não me mantém atento ao que vivi. Ele me facilitou e me destreinou a lembrar. Assim como a calculadora prejudicou os meus cálculos naturais. Quero ser rápido e não me permito caminhar na dúvida. A ansiedade traz o blecaute. Repito o medo adolescente da sala de aula. Como se experimentasse uma série de provas surpresas ao longo do dia, sem ter estudado, sem noção exata das questões.

O Alzheimer toca em meu interfone. O que é mesmo Alzheimer? É possível em pessoas jovens? Só um minutinho...

Publicado em Jornal Zero Hora em 04/06/17

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