Quando alguém de casa me pergunta se eu vi determinada coisa, não está, na verdade, me questionando, está me culpando e me pondo a trabalhar para achar. A incriminação é falsa, um oportuno artifício para ganhar a atenção. Pois tenho que provar a inocência de uma hora para outra. Sou obrigado a cessar as minhas preocupações, por mais importantes que sejam, para investigar onde a pessoa deixou o objeto. Azar dos textos encomendados, das leituras em aberto, dos contatos a responder na caixa de mensagens.
O interesse de quem perdeu é criar pânico, mobilizar a casa para resolver o desaparecimento. É parar tudo e todos em nome de uma causa pessoal. E aquele que perde sempre está atrasado, prestes a sair, com a mão na maçaneta, o que agrava a urgência.
A acusação é absurda. Não toquei naquele pertence nos últimos dias. Mas, por ser descabida, fico com vontade de esfregar na cara que não fui eu.Não percebia antes a moral da cilada. O propósito é mesmo sortear a responsabilidade para desfrutar de investigadores de graça. O babaca aqui, disposto a provar algo que não fez, dedica os seus melhores esforços na procura.
Já quem esqueceu o paradeiro do objeto costuma se tranquilizar com a movimentação frenética das equipes de busca e permanece parado, apenas coordenando de longe a gincana. Ele cria uma história de que é vítima de um enxerido, da arrumação alheia, e não se mexe. É a maior malandragem da vida familiar. Quando a coisa sumida reaparece é num lugar engraçado, deixado por nada menos do que o seu próprio dono. Ele, aliviado, enterra o assunto e a difamação dos próximos. Nem pede desculpa aos suspeitos.
Acabo sempre recrutado para caça ao tesouro. Os filhos e esposa se aproveitam da minha ansiedade. Reencontrei brinquedos escondidos nas estantes, celulares no estofo do sofá, brincos no tapete fofo da sala. Sou um Google Maps dos extravios.
Da próxima vez, não sofrerei à toa, chamarei de pronto o meu advogado.
Publicado em Jornal Zero Hora em 20/08/17
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