terça-feira, 29 de agosto de 2017

PROBLEMA DE CONTATO

Arte: Eduardo Nasi

Lembro que na minha infância eu tinha um abajur com problema de contato. Jamais mandamos arrumar.

Eu precisava ajeitar o seu pedestal de um lado para outro, até que a luz se firmasse.

Minha tática era colocar um livro de apoio por debaixo da luminária. Por mais que eu criasse um padrão, a lâmpada falhava. Os resultados não duravam mais de uma semana.

Venho sofrendo o mesmo na vida adulta com o carregador de celular. O fio se desgasta rapidamente. Fico esticando, dobrando, tiro e ponho sem parar a entrada, invertendo e segurando com força. É patético o meu enamoramento das tomadas. Eu me faço de vítima do esforço repetitivo. Quando o relâmpago surge, esqueço a vontade de comprar um novo. A sorte é a minha eletricista.

Sofro porque não aceito as limitações do cotidiano, busco um jeitinho amigo para me livrar da crise.

As minhas manhãs terminam sendo de Noé: temporais sucessivos. No lugar de construir uma arca, me viro com um bote para acolher os animais da raiva.

Sou imediatista, quero os resultados para agora e o que me interessa não é resolver a questão, mas seguir com o presente e não mudar o roteiro previsto de compromissos.

Não se incomodar de uma vez por todas é se incomodar sempre um pouco por dia.

O fio inconstante do celular, assim com o abajur bipolar da infância, são metáforas da vida amorosa. Servem para entender que dependemos também da praticidade, a poesia e a subjetividade do romantismo podem atrapalhar.

Há relações que são problemas de contato, apenas isso. É falta da eletricidade da empatia. Os temperamentos não se completam de modo nenhum. Não vai acontecer um milagre.

Publicado em Vida Breve em 03/05/17

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