Arte: Eduardo Nasi
Férias não combinam com barganha. O descanso depende de uma completa substituição de hábitos: aposentar a agenda, acalmar o espírito competitivo e neutralizar as preocupações profissionais.
Quando relaxo em uma praia, o meu desejo é boiar os olhos no mar, sem me preocupar se fui enganado e confundido com um turista gringo. Não me interessa esconder a minha brancura, fingir sotaque, forçar que conheço a cidade piamente para arrebatar preços de fora da temporada.
Posso até pagar mais, ser otário, mas não pretendo me incomodar e fazer Cálculo 3 cada vez que abro a carteira. A minha maior preocupação deve se resumir a passar outra camada de protetor solar ou não depois de entrar na água.
Não quero discutir com o garçom o valor do coco e da cerveja, ou por quanto ele me consegue um peixinho se também solicitar um acompanhamento.
É trabalho igual, é exaustivo tirar vantagem em cada conversa, derrubar cifras e arrancar promoções.
É tensão igual. Mudarei apenas o cenário. Em vez de discutir estratégias de marketing na minha empresa, estarei convencendo um ambulante que será muito mais lucrativo vender duas cangas pela metade do preço para minha esposa. Levarei os mesmos vinte minutos de lábia. Só falta projetar um power point na tela da tenda.
Economizar é bom, desde que não vire compulsão, desde que não se consolide como vício. Não pode ser aplicado em todos os lugares e em todas as situações, senão desceremos ao inferno da mendicância.
O risco é o lazer se transformar em máquina de produzir descontos.
Tomo cuidado para não trocar a bermuda e o chinelo pela farda de fiscal da Receita Federal.
Ninguém aguenta se chegar no hotel e debater a diária, se entrar num táxi e arredondar corrida, se passear de barco e questionar pacotes, se alugar um equipamento de mergulho para quatro pessoas se revezarem.
Nem os filhos muito menos a esposa se sentirão à vontade. Não aproveitarei o ócio e ficarei com a fama de avarento o resto do ano.
Publicado em Vida Breve em 01/03/17
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