Chega uma fase em que visualizamos o tempo que nos falta. Percebemos menos vida pela frente do que a vida que já experimentamos. É quando avistamos, ao longe do oceano, um limite, uma ilha, um desembarque. Raciocinamos que faltam 10 ou 15 anos para permanecer ainda, palpáveis e físicos, entre quem amamos. Realizamos um prognóstico amigável com a nossa faixa etária. É um palpite, mas dói como profecia. Temos dimensão da longevidade de nossas ações. O medo se mistura à serenidade, até que estar pronto para partir convirja com os familiares estarem prontos para se despedir.
A minha mãe, com 77 anos, experimentou este fluvial vislumbre. Pediu ao meu irmão Rodrigo um pé de nozes no seu aniversário, coisa de quem nasceu no Interior e jamais se cura das plantas e horta.
Só que o jardineiro alertou o Rodrigo de que a árvore demoraria 10 anos para frutificar.
Dez anos?, pensou a mãe com perplexidade. E respondeu para si mesma que achava que não estaria mais viva, que não valeria a pena enraizar a nogueira. Mas logo insistiu na encomenda.
Os filhos aceitaram o engano, naquela covardia de contrariar a esperança de alguém. Não dá para contestar a esperança do outro, é muito pessoal e cultivada no mar mais profundo.
A mãe chamou a família para deitar a muda no jardim, com direito a pá e discurso. Enquanto ela mexia na terra, ríamos de sua vivacidade.
Depois que terminou, ficou admirando o invisível das folhas. Lembrava uma menina vigiando o pé de feijão no algodão da escola, no pote de margarina da infância.
Daí ela disse:
— Não plantei para mim, plantei para os meus netos.
Nem tudo na vida precisa ser visto para ser amado.
Publicado em Jornal Zero Hora em14/03/17
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