Arte Eduardo Nasi
Estava em turnê em Recife, para dois dias de apresentação. A minha mulher telefonou de noite e pediu um favor. “Um favor para a relação”, assinalou com serenidade. “O que foi, amor?”, perguntei timidamente, assustado com a possível resposta.
Deduzia que ela diria para me comportar, não dar bandeira, não exagerar na noite, não ficar de conversinha no Facebook com os fãs, não voltar a pé do restaurante, avisar quando estivesse no hotel. Mas não pontuou nenhuma medida preventiva do ciúme.
Ela destacou:
– Não venha com a careca descascada, não existe imagem mais medonha do que um careca em carne viva. Coloque protetor.
Os carecas realmente esquecem que não tem cabelos, e sua completa vulnerabilidade. Mesmo destelhados há tempo, carregam a sensação infantil de portar alguma herança.
O cabelo é um membro fantasma – tanto que todo careca continua usando xampu e condicionador sem nenhuma necessidade.
Ela tinha razão. Era motivo de divórcio retornar com a careca assada. Com aquela bunda de bebê mal cuidada na parte de cima, pedindo bisnagas de Hipoglós.
Viramos uma aberração, o monstro do lago Ness, com o crânio escamoso de dinossauro.
É equilibrar um bola de fogo, fazer embaixadinha com a tocha olímpica.
A pele se desmancha em farinha de trigo, com um país se formando nas casquinhas.
Parece que a testa foi embalada com PVC. Lembra um tangerina descascada, o gomo branco se descolando com dificuldade.
Pena que ela me avisou tarde demais. Não fiquei exposto ao sol, mas a sombra já produziu o seu estrago.
Tomei desesperadamente um banho de hidrante, criei máscara de lama e não reduzi os danos. Vou dobrar minhas horas de ciclista, pintar uma ciclovia no chão de casa e não tirar meu capacete.
Publicado em Vida Breve em 13/03/17
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