Arte: Eduardo Nasi
Eu me lembrei do tempo em que dava aula e de um ato serial na hora de passar a lição. O giz colorido, quando quebra, se desfaz em vários pedaços. Já o giz branco, quando se parte, sempre fica pela metade. Exatamente a metade. Sempre vira dois pedaços. Sempre forma um casal.
O giz branco revela o quanto na vida a dois não devemos nos prender aos efeitos especiais. A simplicidade é a magia. Nada de excesso de cores e rebuscamentos. Nada de floreios e exageros decorativos. Fazer o essencial faz o amor andar. Não é comprando presentes miraculosos e levando a sua companhia a jantares nababescos. A paz vem realizando o básico. Ou cozinhando ou arrumando as gavetas ou lavando a louça ou sendo gentil e atento deixando de lado um pouco o celular e as distrações virtuais.
Um bom professor valoriza o conteúdo mais do que a paleta da caligrafia brilhante e escandalosa. Assim é o marido ou a esposa. O enredo vem do cuidado permanente, às vezes colo, outras vezes sexo. Nunca abandonar o olhar fixo da boca para a boca. Nunca abandonar a elementaridade de quem está se conhecendo. Ouvir os mesmos assuntos aguardando um detalhe a mais, um desdobramento precioso no fluxo similar das histórias. É repetindo que a memória se ajeita e descobre a sua melhor versão.
O giz branco é o casal que se divide para permanecer inteiro. A discrição é a sua força. Não verá nenhuma grandeza visível, nenhuma retórica, nenhuma viagem escancarada em fotos. São banais nos porta-retratos, mas inseparáveis nos pequenos gestos. Não dependem da aprovação externa, estão constantemente próximos e rentes, oferecendo conselhos e opinando sobre os rumos do dia.
Já o giz colorido é o casal ostensivo, vaidoso, com a necessidade de aparecer, que se esfacela por chamar atenção mais para os outros e suas redes sociais do que para aquilo que produz dentro, na intimidade da letra, no quadro-negro da casa.
Giz branco escreve, giz colorido somente enfeita.
Publicado em Vida Breve em 08/03/17
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