Você briga com o seu marido ou esposa por quais motivos? Por ciúme? Por sair ou não sair com amigos? Por falta de atenção? Por não ter aquilo que sonhava? Pelo futebol da semana? Pela intrusão da sogra em sua história?
Casais se desentendem por bobagens. Podem se distanciar por trivialidades. Amam-se, mas ocupam a maior parte da rotina se diminuindo e pressionando o parceiro ou parceira a adotar as atitudes desejadas. A companhia é obrigada a entrar forçosamente numa forma. É como um pé 40 precisando calçar 38.
Se ele é mais silencioso, deve ser mais sociável. Se ela é explosiva, deve se controlar mais. Se ele é desorganizado, deve guardar as suas roupas. Se ela é meticulosa, deve aguentar a pia suja no final de semana. As exigências absurdas não têm fim. Parece que a relação só desfruta de sentido mudando o par, indo contra a natureza do par.
Inventam problemas, criam obstáculos, não há motivos para os conflitos. Não enfrentaram nenhuma grande dor para entender o que é sofrer de verdade. Não perderam um filho, não estão com uma doença terminal, não têm os dias contados, não entraram em depressão, não sacrificaram os cabelos na quimioterapia, não arcaram com o luto dos pais.
São crianças mimadas, que não brincam com aquilo que são, que teimam em cobiçar e possuir o brinquedo de seu coleguinha.
Há de se fazer a pergunta: qual o inimigo do seu amor? Se não existe inimigo real e perigoso, que não gaste o tempo com picuinhas. Se não existe nada que possa separá-los, que aproveite a intimidade, que explore a felicidade do momento. Que não estrague a saúde com estremecimentos desnecessários. Que não forje separações à toa. Que não chantageie por fantasias. Que se preparem para lutar juntos contra as adversidades quando surgirem, jamais desperdicem o dom da união lutando um contra o outro antes das provações da vida.
Esquecem que encontrar alguém que se goste, que desperte a taquicardia, que provoque a saudade, capaz de partilhar afinidades e memórias inimagináveis, é raro, um milagre na loteria da multidão.
Não há nada mais triste do que se separar sem motivo. É prova de absoluto egoísmo com a sorte do amor.
Crônica publicada em 23/7/2018
segunda-feira, 25 de março de 2019
A DOR NOS TRANSFORMA EM CRIANÇAS
Ninguém sofre com maturidade. Sofrer é se tornar novamente uma criança.
É ansiar pela ajuda de um adulto mesmo sendo um adulto. Você dependerá de colo e de um apoio, de alguém para ouvir e justificar as suas dificuldades, de alguém para inspirar e motivar a ter resistência. Alguém por perto para não se ver tão desamparado pela inércia. Alguém para acender e apagar as luzes da casa. Alguém para controlar os horários dos remédios. Alguém para espiar o seu sono e levantar as cobertas caídas pelo seu movimento.
Temos que pedir socorro quando sofremos - esse é o segredo da vida. Não achar que é necessário ser forte e invencível.
Resolver tudo isolado é se piorar, pois não existe como entender a gravidade do que está acontecendo e identificar os próprios avanços e recuos.
Não há independência penando, só cama e escuro.
A debilidade é traiçoeira e mexe com o controle dos pensamentos.
Seremos mentalmente menores de idade. O cansaço assusta e traz angústia, fecha as portas das lembranças, cria labirintos, chama o Minotauro por engano. Os medos de pequeno vêm nos assombrar, os pesadelos vêm roubar o nosso suor de madrugada.
Estar solitário sofrendo é ser um menino trancado no apartamento sem nenhum responsável, é ser uma menina aguardando na janela o retorno da família.
A dor tem dentro de si a solidão da infância. É uma hipnose regressiva. Retornamos a uma fase em que não sabíamos nos proteger.
Tanto faz a consternação física ou emocional, não importa que seja uma separação ou uma dor de dente ou uma doença ou a morte de um afeto.
Fica-se prostrado, saudoso dos carinhos e da vigília.
O sofrimento não tem pai nem mãe. O sofrimento é órfão. Não queira ser maior do que ele, porque vai engoli-lo usando os seus traumas e fraquezas.
Telefone a um amigo ou parente e apenas diga "Não estou bem, pode me cuidar?". A humildade é saúde.
Publicado em Donna ZH em 22/7/2018
É ansiar pela ajuda de um adulto mesmo sendo um adulto. Você dependerá de colo e de um apoio, de alguém para ouvir e justificar as suas dificuldades, de alguém para inspirar e motivar a ter resistência. Alguém por perto para não se ver tão desamparado pela inércia. Alguém para acender e apagar as luzes da casa. Alguém para controlar os horários dos remédios. Alguém para espiar o seu sono e levantar as cobertas caídas pelo seu movimento.
Temos que pedir socorro quando sofremos - esse é o segredo da vida. Não achar que é necessário ser forte e invencível.
Resolver tudo isolado é se piorar, pois não existe como entender a gravidade do que está acontecendo e identificar os próprios avanços e recuos.
Não há independência penando, só cama e escuro.
A debilidade é traiçoeira e mexe com o controle dos pensamentos.
Seremos mentalmente menores de idade. O cansaço assusta e traz angústia, fecha as portas das lembranças, cria labirintos, chama o Minotauro por engano. Os medos de pequeno vêm nos assombrar, os pesadelos vêm roubar o nosso suor de madrugada.
Estar solitário sofrendo é ser um menino trancado no apartamento sem nenhum responsável, é ser uma menina aguardando na janela o retorno da família.
A dor tem dentro de si a solidão da infância. É uma hipnose regressiva. Retornamos a uma fase em que não sabíamos nos proteger.
Tanto faz a consternação física ou emocional, não importa que seja uma separação ou uma dor de dente ou uma doença ou a morte de um afeto.
Fica-se prostrado, saudoso dos carinhos e da vigília.
O sofrimento não tem pai nem mãe. O sofrimento é órfão. Não queira ser maior do que ele, porque vai engoli-lo usando os seus traumas e fraquezas.
Telefone a um amigo ou parente e apenas diga "Não estou bem, pode me cuidar?". A humildade é saúde.
Publicado em Donna ZH em 22/7/2018
AMOR FELIZ
Amor feliz é como água do mar que você pode ver os seus pés.
Amor feliz é quando você não esconde nada. Nenhuma tristeza, nenhuma alegria, nenhuma mensagem, nenhum pensamento. Você não tem vergonha de algo que possa ser encontrado, algo que fez, algo que aconteceu. Não mantém flertes para o futuro, não é infiel em segredo, não fica olhando toda saia como se fosse solteiro, não cobiça corpos e lugares. Não usa mentiras para se proteger, não omite para tirar vantagem, não há afrodisíaco em enganar e ser mais esperto, não disputa para ser mais inteligente e mais esclarecido, não pretende se sobressair, não se elogia para diminuir a sua companhia, não reclama para constranger, não transa para se exibir e dizer que o outro não aguenta o seu ritmo.
Você é de manhã aquilo que é de tarde aquilo que é de noite. Igualzinho, transparente como a água do mar.
Amor feliz não é quando você deita no travesseiro com a consciência tranquila, é quando a sua esposa deita em seu peito em paz e adormece. Significa que ela confia em você. Nenhuma mulher deita no peito de um homem sem confiar.
Aquele peito que já foi almofada de filho, muralha de lágrimas de amigos, encosto repentino de irmãos, torna-se destino definitivo de alguém.
Você não deita em meu peito, Beatriz, você mora em meu peito, com os cabelos loiros espalhados como se estivesse boiando ao sol.
Você não deita em meu peito para fazer charme, para indicar afeto e conforto. Eu sei que gosta mesmo. Demonstra uma vontade de morrer assim.
Eu não me mexo, orgulhoso, guardião de seu sono. É respirar baixinho para não acordá-la. É seguir imóvel durante horas, sem me virar, pelo prazer de ser escolhido.
Quando ela desperta do encantamento, me pergunta se está me machucando. E respondo que só me machuca quando não está por perto.
Amor feliz é isso.
Crônica publicada em 21/7/2018
Amor feliz é quando você não esconde nada. Nenhuma tristeza, nenhuma alegria, nenhuma mensagem, nenhum pensamento. Você não tem vergonha de algo que possa ser encontrado, algo que fez, algo que aconteceu. Não mantém flertes para o futuro, não é infiel em segredo, não fica olhando toda saia como se fosse solteiro, não cobiça corpos e lugares. Não usa mentiras para se proteger, não omite para tirar vantagem, não há afrodisíaco em enganar e ser mais esperto, não disputa para ser mais inteligente e mais esclarecido, não pretende se sobressair, não se elogia para diminuir a sua companhia, não reclama para constranger, não transa para se exibir e dizer que o outro não aguenta o seu ritmo.
Você é de manhã aquilo que é de tarde aquilo que é de noite. Igualzinho, transparente como a água do mar.
Amor feliz não é quando você deita no travesseiro com a consciência tranquila, é quando a sua esposa deita em seu peito em paz e adormece. Significa que ela confia em você. Nenhuma mulher deita no peito de um homem sem confiar.
Aquele peito que já foi almofada de filho, muralha de lágrimas de amigos, encosto repentino de irmãos, torna-se destino definitivo de alguém.
Você não deita em meu peito, Beatriz, você mora em meu peito, com os cabelos loiros espalhados como se estivesse boiando ao sol.
Você não deita em meu peito para fazer charme, para indicar afeto e conforto. Eu sei que gosta mesmo. Demonstra uma vontade de morrer assim.
Eu não me mexo, orgulhoso, guardião de seu sono. É respirar baixinho para não acordá-la. É seguir imóvel durante horas, sem me virar, pelo prazer de ser escolhido.
Quando ela desperta do encantamento, me pergunta se está me machucando. E respondo que só me machuca quando não está por perto.
Amor feliz é isso.
Crônica publicada em 21/7/2018
FELIZ DIA DO AMIGO
Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.
Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.
Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.
Amizade não é dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra.
É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva.
Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto.
É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios.
São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade.
Aqueles que não estão perto podem estar dentro.
Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente.
Não vou mentir a eles “vamos nos ligar?” num esbarrão de rua.
Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos.
Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação.
Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação.
Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos?
Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.
Crônica publicada em 20/7/2018
Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.
Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.
Amizade não é dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra.
É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva.
Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto.
É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios.
São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade.
Aqueles que não estão perto podem estar dentro.
Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente.
Não vou mentir a eles “vamos nos ligar?” num esbarrão de rua.
Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos.
Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação.
Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação.
Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos?
Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.
Crônica publicada em 20/7/2018
OS SAPATOS DE MEU PAI
Em algum instante de sua vida, você precisa tirar os sapatos de seu pai.
E colocá-lo a dormir.
Você mudará a sua perspectiva de filho e será um pouco pai de seu pai. Há uma humildade que atinge os pensamentos no ato de se agachar, desamarrar os sapatos e encontrar uma fresta no calcanhar para tirá-los. Preste atenção: aqueles minutos são eternos, seguem uma duração emocional incomparável. Lembrará de quantas vezes ele lhe fez isso, sem que você pudesse antever o esforço de convencer alguém cansado a lhe desfazer de suas roupas.
Aquele marmanjo torna-se uma criança, como você já foi: briga, não quer, reclama, esperneia, diz que consegue sozinho.
Não dará ouvidos às lamúrias. Seguirá com o protocolo do sono até acomodar o seu gigante debaixo das cobertas.
Eu botei meu pai em seu berço uma noite de minha consciência, quando ele estava exausto de dirigir por cinco horas. Eu já lhe vi dormindo alisando a sua testa suada e seus cabelos engomados. Murmurei algumas palavras cantadas. Brinquei de ser responsável mesmo sendo um menino.
Ele não recordou de nada na manhã seguinte. Não lembrava de como colocou o pijama, de como deitou, de como adormeceu. Eu ri de seu esquecimento porque eu lembraria para sempre. Por nós.
Crônica publicada em em 19/7/2018
E colocá-lo a dormir.
Você mudará a sua perspectiva de filho e será um pouco pai de seu pai. Há uma humildade que atinge os pensamentos no ato de se agachar, desamarrar os sapatos e encontrar uma fresta no calcanhar para tirá-los. Preste atenção: aqueles minutos são eternos, seguem uma duração emocional incomparável. Lembrará de quantas vezes ele lhe fez isso, sem que você pudesse antever o esforço de convencer alguém cansado a lhe desfazer de suas roupas.
Aquele marmanjo torna-se uma criança, como você já foi: briga, não quer, reclama, esperneia, diz que consegue sozinho.
Não dará ouvidos às lamúrias. Seguirá com o protocolo do sono até acomodar o seu gigante debaixo das cobertas.
Eu botei meu pai em seu berço uma noite de minha consciência, quando ele estava exausto de dirigir por cinco horas. Eu já lhe vi dormindo alisando a sua testa suada e seus cabelos engomados. Murmurei algumas palavras cantadas. Brinquei de ser responsável mesmo sendo um menino.
Ele não recordou de nada na manhã seguinte. Não lembrava de como colocou o pijama, de como deitou, de como adormeceu. Eu ri de seu esquecimento porque eu lembraria para sempre. Por nós.
Crônica publicada em em 19/7/2018
DEZ MANDAMENTOS DO FILHO COM A VELHICE DOS PAIS
1) Não permita nunca que os seus velhos pais sejam mendigos de seu afeto. Que não demore dias para retornar a ligação.
2) Que não marque e desmarque encontros, que não dê desculpas do excesso de trabalho. Não torture com a esperança. Não prometa para mudar de ideia em cima da hora. Cumpra aquilo que foi agendado.
3) Que não compre brigas tolas com os irmãos - porque sobrará sempre para os pais aguentar as lamúrias dos dois lados, resolver as diferenças e encontrar a paz.
4) Não minta sob o pretexto de poupá-los do sofrimento. Divida a dúvida.
5) Que confie na destreza dos pais em realizar as suas tarefas, não confunda lentidão com incapacidade.
6) Que mostre algo que aprendeu com eles, exercitando a saudade na presença.
7) Que não fique irritado ao ouvir as mesmas histórias, que ofereça paciência para descobrir novos detalhes das lembranças.
8) Que aceite conselhos, por mais divergentes que sejam da sua opinião. Não corte a conversa porque já imagina onde vai parar.
9) Que peça a benção. Que diga eu te amo.
10) Que, de longe, acene para a janela.
Crônica publicada em 18/7/2018
2) Que não marque e desmarque encontros, que não dê desculpas do excesso de trabalho. Não torture com a esperança. Não prometa para mudar de ideia em cima da hora. Cumpra aquilo que foi agendado.
3) Que não compre brigas tolas com os irmãos - porque sobrará sempre para os pais aguentar as lamúrias dos dois lados, resolver as diferenças e encontrar a paz.
4) Não minta sob o pretexto de poupá-los do sofrimento. Divida a dúvida.
5) Que confie na destreza dos pais em realizar as suas tarefas, não confunda lentidão com incapacidade.
6) Que mostre algo que aprendeu com eles, exercitando a saudade na presença.
7) Que não fique irritado ao ouvir as mesmas histórias, que ofereça paciência para descobrir novos detalhes das lembranças.
8) Que aceite conselhos, por mais divergentes que sejam da sua opinião. Não corte a conversa porque já imagina onde vai parar.
9) Que peça a benção. Que diga eu te amo.
10) Que, de longe, acene para a janela.
Crônica publicada em 18/7/2018
INSTAGRAM NÃO É CLASSIFICADO ERÓTICO
É desagradável não respeitar a natureza de cada espaço na web. É como aparecer de bermuda, camiseta e chinelo numa festa social ou surgir na piscina de terno e gravata.
O que há de homens sem noção caçando em Instagram ou Facebook de desconhecidas. Eles confundem as redes sociais com um Tinder e deixam cantadas nos comentários e emojis escandalosos de devoção, mesmo não conhecendo as pessoas do perfil. Gostam da aparência e se arrogam o direito de flertar à vontade, mandando diretas e se oferecendo para sair.
Acreditam que toda a tentativa é livre, mas não é. Toda tentativa, quando deslocada de um contexto, é inoportuna e constrangedora.
Ainda que as mulheres não tenham um relacionamento, jamais merecem ser tratadas como um açougue e receber abordagem de pedreiro (coitado do pedreiro!), como “gostosa”, “linda”, “me dá uma chance”.
Decência é educação fora de casa. Não se deve expor alguém, inconsequentemente, a segundas intenções e interpretações equivocadas e infelizes diante dos outros.
Existe a perversa sobreposição da esfera privada na pública. E quem faz isso não demonstra coragem de puxar assunto em particular, no inbox, porque imagina a resposta desaforada que possa receber.
Se não sabe quem é, o que pensa e o que deseja, use de bons modos e seja, no máximo, simpático. Não curta todas as fotos do último ano como se fosse um serial killer ou não demonstre afeição que não existe.
Instagram não é classificado erótico, Facebook não é agência de namoro.
A navegação tem as suas regras e bússola. É preciso cuidado para não ser invasivo. Se você demonstra uma intimidade que não conquistou, é grosseria e gratuidade. A virtualidade é uma manifestação real e depende de disciplinada etiqueta. Qualquer atitude ao contrário é assédio.
Publicado em O Globo em 18/7/2018
O que há de homens sem noção caçando em Instagram ou Facebook de desconhecidas. Eles confundem as redes sociais com um Tinder e deixam cantadas nos comentários e emojis escandalosos de devoção, mesmo não conhecendo as pessoas do perfil. Gostam da aparência e se arrogam o direito de flertar à vontade, mandando diretas e se oferecendo para sair.
Acreditam que toda a tentativa é livre, mas não é. Toda tentativa, quando deslocada de um contexto, é inoportuna e constrangedora.
Ainda que as mulheres não tenham um relacionamento, jamais merecem ser tratadas como um açougue e receber abordagem de pedreiro (coitado do pedreiro!), como “gostosa”, “linda”, “me dá uma chance”.
Decência é educação fora de casa. Não se deve expor alguém, inconsequentemente, a segundas intenções e interpretações equivocadas e infelizes diante dos outros.
Existe a perversa sobreposição da esfera privada na pública. E quem faz isso não demonstra coragem de puxar assunto em particular, no inbox, porque imagina a resposta desaforada que possa receber.
Se não sabe quem é, o que pensa e o que deseja, use de bons modos e seja, no máximo, simpático. Não curta todas as fotos do último ano como se fosse um serial killer ou não demonstre afeição que não existe.
Instagram não é classificado erótico, Facebook não é agência de namoro.
A navegação tem as suas regras e bússola. É preciso cuidado para não ser invasivo. Se você demonstra uma intimidade que não conquistou, é grosseria e gratuidade. A virtualidade é uma manifestação real e depende de disciplinada etiqueta. Qualquer atitude ao contrário é assédio.
Publicado em O Globo em 18/7/2018
LAVO A ROUPA TODO O DIA, QUE AGONIA
O casado lava três vezes mais roupa do que o solteiro. É um fato incontestável.
Aqui em casa a máquina de lavar não para. Ela é uma escrava do movimento. Já não consigo imaginar a cozinha silenciosa, desprovida do barulho do aquário girando. Nunca mais atravessei a dispensa de cabeça ereta. Por mais que me agache, tocarei com a testa no varal cheio.
Meu salário virou espuma de amaciante. Dentro do casamento, eu não tenho como fazer um montinho de camisetas sujas no armário, um ninho de preguiça, logo acabo desmascarado. E ainda sofro com a conferida da esposa no sovaco. Não há como discutir. A asa é de morcego na caverna, há muito tempo deixou de ser pássaro.
Sou empurrado para a obrigação de estar arrumado e limpo. Uma peça no chão já toma o caminho do balde. Não há clemência e compaixão da família. O que ponho em 24 horas já não serve para depois, experimento uma ditadura hospitalar, de luvas e aventais descartáveis.
Quando era solteiro, não me lembro dessa gincana de sabão em pó, da obsessão anti-ecológica. Economizava o jeans até onde podia, até a mendicância. Usava várias vezes a ponto do brim claro se transformar em azul escuro.
Na residência, circulava pelado ou com bermudão e regata rasgados, não me olhava no espelho, não vivia sob o plantão de visita iminente.
Assim reservava as melhores combinações para a festa. Ninguém despachava as minhas camisas para a campanha de agasalho. Tinha controle sobre o passado e sobre o futuro.
A lavanderia era semanal. E só acontecia quando não restavam mais cuecas e meias na gaveta. Passava um dia inteiro sem cueca e meia, para esperar secar. Não me importava em andar alinhado sempre.
O casamento é uma pressão por bons modos. Cortar unhas, pelo no ouvido, aparar barba, tomar banho de manhã e de noite, mostrar-se como vai sair ao trabalho, não esquecer o perfume. Não difere muito de um internato.
Publicado em Jornal Zero Hora em 17/7/2018
Aqui em casa a máquina de lavar não para. Ela é uma escrava do movimento. Já não consigo imaginar a cozinha silenciosa, desprovida do barulho do aquário girando. Nunca mais atravessei a dispensa de cabeça ereta. Por mais que me agache, tocarei com a testa no varal cheio.
Meu salário virou espuma de amaciante. Dentro do casamento, eu não tenho como fazer um montinho de camisetas sujas no armário, um ninho de preguiça, logo acabo desmascarado. E ainda sofro com a conferida da esposa no sovaco. Não há como discutir. A asa é de morcego na caverna, há muito tempo deixou de ser pássaro.
Sou empurrado para a obrigação de estar arrumado e limpo. Uma peça no chão já toma o caminho do balde. Não há clemência e compaixão da família. O que ponho em 24 horas já não serve para depois, experimento uma ditadura hospitalar, de luvas e aventais descartáveis.
Quando era solteiro, não me lembro dessa gincana de sabão em pó, da obsessão anti-ecológica. Economizava o jeans até onde podia, até a mendicância. Usava várias vezes a ponto do brim claro se transformar em azul escuro.
Na residência, circulava pelado ou com bermudão e regata rasgados, não me olhava no espelho, não vivia sob o plantão de visita iminente.
Assim reservava as melhores combinações para a festa. Ninguém despachava as minhas camisas para a campanha de agasalho. Tinha controle sobre o passado e sobre o futuro.
A lavanderia era semanal. E só acontecia quando não restavam mais cuecas e meias na gaveta. Passava um dia inteiro sem cueca e meia, para esperar secar. Não me importava em andar alinhado sempre.
O casamento é uma pressão por bons modos. Cortar unhas, pelo no ouvido, aparar barba, tomar banho de manhã e de noite, mostrar-se como vai sair ao trabalho, não esquecer o perfume. Não difere muito de um internato.
Publicado em Jornal Zero Hora em 17/7/2018
BEM-CASADO
Se num jantar em minha casa, uma visita, por ventura, mexer no congelador, talvez para buscar uma cerveja gelada, jamais entenderá um pequeno embrulho na prateleira. Não são restos congelados de alcatra ou de frango, muito menos um queijo guardado.
É um doce, um doce de dois anos. Está lá há incríveis dois anos. Imóvel.
É um doce da sorte. Um doce talismã da família. Só vamos comê-lo em uma situação de extrema crise, quando realmente apagarmos da memória a importância do amor.
Foi o que combinei com Beatriz, minha esposa. Se um dia você esquecer o quanto a amo, se um dia eu esquecer o quanto você me ama, dividiremos a pequena e heroica sobremesa para nos lembrar da força de nossa história e rirmos de mais um breve desentendimento.
O doce é um bem-casado que sobrou da festa de nosso casamento. Sobrou é força de expressão, salvamos da boca dos convidados. Beatriz, astutamente, colocou em meu bolso.
- Vamos roubar a nossa própria festa?
E roubamos um pedaço de nossa eternidade para depois. Separamos um biscoito das centenas que haviam nas bandejas, polvilhado do açúcar da nossa paixão, para a cerimônia nunca acabar, nunca encerrar de verdade, nunca virar passado.
É um biscoito da sorte que guarda, simbolicamente, em suas finas massas envolvidas em chocolate, os votos que fizemos um para o outro naquela noite.
Com aquele bem-casado na geladeira, estamos nos casando sempre.
Publicado em Donna ZH em 15/7/2018
É um doce, um doce de dois anos. Está lá há incríveis dois anos. Imóvel.
É um doce da sorte. Um doce talismã da família. Só vamos comê-lo em uma situação de extrema crise, quando realmente apagarmos da memória a importância do amor.
Foi o que combinei com Beatriz, minha esposa. Se um dia você esquecer o quanto a amo, se um dia eu esquecer o quanto você me ama, dividiremos a pequena e heroica sobremesa para nos lembrar da força de nossa história e rirmos de mais um breve desentendimento.
O doce é um bem-casado que sobrou da festa de nosso casamento. Sobrou é força de expressão, salvamos da boca dos convidados. Beatriz, astutamente, colocou em meu bolso.
- Vamos roubar a nossa própria festa?
E roubamos um pedaço de nossa eternidade para depois. Separamos um biscoito das centenas que haviam nas bandejas, polvilhado do açúcar da nossa paixão, para a cerimônia nunca acabar, nunca encerrar de verdade, nunca virar passado.
É um biscoito da sorte que guarda, simbolicamente, em suas finas massas envolvidas em chocolate, os votos que fizemos um para o outro naquela noite.
Com aquele bem-casado na geladeira, estamos nos casando sempre.
Publicado em Donna ZH em 15/7/2018
A COPA É DOS IMIGRANTES
Não houve derrotados no 4 a 2 da França sobre a Croácia no domingo (15/7).
Os franceses ganharam o seu bicampeonato em jogo eletrizante (igualando-se em títulos com a Argentina e Uruguai), mas foi o amor que venceu o ódio na final da Copa. O futebol bateu o racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa.
Não significou apenas uma decisão inédita, mas uma demonstração de força da integração entre povos e da superação globalizada das diferenças.
Ambas as seleções representaram minorias em campo, ambas despertavam a simpatia das torcidas do resto do mundo pelas trajetórias de feridas e de discriminação, ambas correspondiam a lados mais fracos e desfavorecidos da humanidade.
Foi o encontro entre um time de refugiados, a Croácia, e um time de imigrantes, a França.
A Croácia é formada de atletas que sofreram com a guerra pela independência. Ou ficaram desterrados em outro país como Ivan Rakitic, na Suíça, e Mario Mandzukic, em Diztingen, na Alemanha, ou sobreviveram em pleno conflito, como Luka Modric (escondido em Zadar). Modric, inclusive, Bola de Ouro da Rússia, testemunhou a sua casa incendiada por milicianos da minoria sérvia da então Iugoslávia e arcou com o trauma de suportar o fuzilamento de seu avô.
Já a campeã França é toda miscigenada, é toda multicultural, é toda feita de famílias egressas da pobreza em busca de um lugar ao sol na Europa. Não deixa de ser um plantel com o DNA majoritariamente africano.
N'Golo Kanté é filho de imigrantes do Mali e, absurdamente, catava lixo nas ruas de Paris aos 7 anos. Presnel Kimpembe é filho de congoleses. Benjamin Mendy é filho de senegaleses. Ousmane Dembélé é filho de mãe senegalesa e pai malinês. Corentin Tolisso é filho de imigrantes de Togo. Blaise Matuidi é filho de angolanos. Steven Nzonzi veio do Congo. Samuel Umtiti, autor da cabeçada salvadora na semifinal contra a Bélgica, é natural de Camarões.
Os heróis velocistas e fintadores Paul Pogba e Kylian Mbappé, responsáveis pela diferença do placar na decisão, não fogem à regra. O primeiro é filho de mãe guineense e pai congolês; e o segundo, de pai camaronês e mãe argelina.
Se a Croácia não tivesse repatriado os seus craques, não colocaria o seu nome na história com o segundo lugar, superando os feitos de Suker de 1998.
Se a França não abrisse as suas fronteiras, se não derrubasse a Bastilha das etnias, o seu combinado de furacão e técnica desapareceria do mapa do nosso coração.
Crônica publicada em 15/7/2018
Os franceses ganharam o seu bicampeonato em jogo eletrizante (igualando-se em títulos com a Argentina e Uruguai), mas foi o amor que venceu o ódio na final da Copa. O futebol bateu o racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa.
Não significou apenas uma decisão inédita, mas uma demonstração de força da integração entre povos e da superação globalizada das diferenças.
Ambas as seleções representaram minorias em campo, ambas despertavam a simpatia das torcidas do resto do mundo pelas trajetórias de feridas e de discriminação, ambas correspondiam a lados mais fracos e desfavorecidos da humanidade.
Foi o encontro entre um time de refugiados, a Croácia, e um time de imigrantes, a França.
A Croácia é formada de atletas que sofreram com a guerra pela independência. Ou ficaram desterrados em outro país como Ivan Rakitic, na Suíça, e Mario Mandzukic, em Diztingen, na Alemanha, ou sobreviveram em pleno conflito, como Luka Modric (escondido em Zadar). Modric, inclusive, Bola de Ouro da Rússia, testemunhou a sua casa incendiada por milicianos da minoria sérvia da então Iugoslávia e arcou com o trauma de suportar o fuzilamento de seu avô.
Já a campeã França é toda miscigenada, é toda multicultural, é toda feita de famílias egressas da pobreza em busca de um lugar ao sol na Europa. Não deixa de ser um plantel com o DNA majoritariamente africano.
N'Golo Kanté é filho de imigrantes do Mali e, absurdamente, catava lixo nas ruas de Paris aos 7 anos. Presnel Kimpembe é filho de congoleses. Benjamin Mendy é filho de senegaleses. Ousmane Dembélé é filho de mãe senegalesa e pai malinês. Corentin Tolisso é filho de imigrantes de Togo. Blaise Matuidi é filho de angolanos. Steven Nzonzi veio do Congo. Samuel Umtiti, autor da cabeçada salvadora na semifinal contra a Bélgica, é natural de Camarões.
Os heróis velocistas e fintadores Paul Pogba e Kylian Mbappé, responsáveis pela diferença do placar na decisão, não fogem à regra. O primeiro é filho de mãe guineense e pai congolês; e o segundo, de pai camaronês e mãe argelina.
Se a Croácia não tivesse repatriado os seus craques, não colocaria o seu nome na história com o segundo lugar, superando os feitos de Suker de 1998.
Se a França não abrisse as suas fronteiras, se não derrubasse a Bastilha das etnias, o seu combinado de furacão e técnica desapareceria do mapa do nosso coração.
Crônica publicada em 15/7/2018
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