O SOFREDOR DO CHIMARRÃO
Caddie é quem segura os diferentes tacos de golfe nos imensos gramados para os jogadores realizarem as suas tacadas.
No Rio Grande do Sul, existe o caddie do chimarrão. Aquele que leva a térmica. Não é a melhor tarefa porque não tem como deitar no chão a garrafa senão ela vaza. É necessário mantê-la de pé, como um filho pequeno no colo. Há a possibilidade de estojo, de bolsa para os utensílios do mate, mas, mesmo assim, exige a trabalheira de tirar e pôr com cuidado a cada manuseio.
Num casal, é rápido identificar quem manda na relação e quem obedece, o gato e o rato do casamento. Em passeios pelas praças e parques, o dominador é quem carrega o chimarrão, deixando para o submisso a ingrata responsabilidade de trazer a térmica. Enquanto um ri e sorve a erva, deliciando-se com a caminhada e conversando alto, o outro andará de cara amarrada, escutando e concordando, louco para voltar para casa e encurtar a saída.
Não se valoriza o portador da térmica. É o coadjuvante, o estagiário do amor. Representa o papel de sofredor inato dos feriados e fins de semana: receberá reclamação se, porventura, a água rarear ou esfriar, ainda que não tenha nada a ver com o resultado.
É certo que ganhará bronca de graça, como "não enroscou bem a tampa" ou "por que não avisou que estava no fim?". Nunca é elogiado, jamais pontua com estrelas e agradecimentos. Torna-se o bode expiatório dos imprevistos. Está de folga unicamente na aparência, assemelha-se a babá de adulto, escravo do céu azul, abanador do minuano.
Já o escolhido a transportar comodamente a cuia é o faraó de bombacha, conta com uma pajelança infinita. Só depende do esforço de pedir para encher mais e renovar o ronco das sugadas.
O esquisito é que não há revezamento de papéis, quem aceita pegar a térmica na primeira vez ficará para sempre com a missão. Recomendável recusar no primeiro encontro:
— Isso, não. Faço qualquer coisa. Isso, não.
O cargo não tem promoção. Arca com uma linearidade irreversível, uma monotonia acachapante. A alça da térmica é uma algema para toda a vida. Ou até o relacionamento terminar.
Publicado em Jornal ZH em 01/5/2018
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