quinta-feira, 21 de março de 2019

BOLACHA DERROTADA

Todo sobrinho é um ensaio para ter um filho. Não há como não se apaixonar e perder os preconceitos. Se você enxergava a gravidez como ameaça da liberdade e da independência, muda de ideia com os papos inventivos e irreverentes das crianças. É redescobrir a aventura da língua.

Sobrinho tem uma fofura altamente concentrada, capaz de flechar os corações empedernidos dos tios, que se transformam em uma espécie de avós jovens. Trata-se de uma regra de compensação da vida (os filhos são chatos e os netos são queridos, assim sendo, os irmãos são chatos e os sobrinhos são amáveis).

Sofro recaídas de ternura convivendo com Francisco, menino de cinco anos de meu mano Rodrigo e da Ieda.

O pequeno já criou guerras folclóricas em sua casa. Há dois anos, ele não queria cortar os cabelos, de acordo com a lógica de que estaria perdendo pedaços do corpo. Ieda e Rodrigo não encontraram jeito de acalmar e convencer o Sansão em miniatura. Como não funcionou o bom senso, usaram a imaginação infantil a seu favor. Foi então que explicaram que as penugens no pescoço cresceriam na forma de asas e que ele acabaria sendo passarinho. Assustado, ele resignou-se a frequentar o salão sem qualquer resistência. Hoje seus pais apenas dizem: vai virar passarinho, e ele já se movimenta para o cabeleireiro.

Na última semana, ele cismou que não desejava bolacha derrotada.

- Mãe, busca a minha bolacha recheada de chocolate no mercado? Mas que não seja bolacha derrotada.

Ieda quebrou a cabeça para entender o que seria a bolacha derrotada. Talvez quebrada, esfarelada, amassada, de pacote feinho. Não conseguia alcançar o cerne da expressão. Decidiu ir com ele para ter a devida explicação.
Nas prateleiras dos doces, ele pediu com ansiedade:
- Olhe a data do biscoito...Está derrotada?
Ela riu, e traduziu na linguagem dos adultos:
- Não, filho, essa aqui não está vencida.

Publicado em Donna ZH em 03/6/2018

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