quinta-feira, 21 de março de 2019

QUEM COLOCOU AZEITONA NO PASTEL?

A falta de confiança é a azeitona do relacionamento.

Quando você coloca azeitona numa comida, seja numa pizza, seja num filé à parmegiana, seja num simples arroz, tudo fica com gosto de azeitona. Não adianta ciscar e tirar as bolinhas verdes ou pretas do prato. A azeitona domina o sabor com a sua amargura mediterrânea.

Como uma coisinha é tão avassaladora? O fruto da oliveira é inconfundível e modifica o paladar das receitas mais tradicionais. O pastel pode oferecer o maior recheio de carne e de ovo da feira, mas só será lembrado pela sua pequena azeitona. São oito mil anos de história encharcando os demais ingredientes. É uma coadjuvante que rouba o papel de protagonista.

O mesmo ocorre quando há uma deslealdade entre o casal, quando um dos dois mente e não confessa antes de ser descoberto. Nem precisa ser infidelidade, é prometer algo e fazer diferente.

A mentira impregna qualquer conversa, mesmo a mais corriqueira. Só existem olhos para a azeitona. Não importa mais o que vem à boca. A desconfiança tomará conta da imaginação. Quem se sentiu enganado uma vez apenas se fixará no gosto da trapaça.

O erro, ainda que perdoado, alterará a natureza fluente dos segredos e das confidências. Não dá para se abrir da mesma forma. A suspeita recairá sobre qualquer grande momento da vida a dois. O que foi deixará de ser perfeito e exclusivo, o porvir não terá a proteção involuntária da fé. A mão espalmada torna-se histérico garfo.

Apesar de minúscula e tola, insignificante perto da abundância da honestidade oferecida anteriormente na convivência, a mentira monopolizará o medo.

Se a deslealdade é a azeitona na cozinha do amor, já a traição é o coentro. Nem a azeitona é capaz de neutralizar a imposição e a influência do coentro.

Publicado em O Globo em 25/4/2018