quinta-feira, 21 de março de 2019

AMAR É TAMBÉM SER UM FANTASMA

Gentileza no amor é também não chamar atenção.

Você pode provar que ama trazendo café na cama ou acordando a sua esposa com um ataque de beijos. Mas a maior demonstração é permitir que a sua companhia durma no final de semana. Ter consciência de que ela só pode esticar os horários no sábado e no domingo, quando não é obrigada a bater o cartão e despertar cedo para o trabalho. Preservar o sono da mulher lhe trará recompensas da cumplicidade e do bom humor. Não incomodar é o primeiro passo para o altar.

Se não sabe fazer massagem, pelo menos deixe a mulher relaxar sozinha nas cobertas e o tempo amansar as suas costas.

Relacionamentos terminam justamente porque não há respeito ao descanso sagrado. Parece bobagem, mas não poder dormir quando se quer cria uma antipatia fatal. Sempre haverá no par amoroso o que acorda cedo nas folgas e o que acorda tarde. Impor o seu ritmo e realizar bagunça para aproveitar o dia cedo como casal vai gerando a inimizade dos travesseiros.

Casamento é aprender a ser fantasma de manhã: andar na ponta dos pés para não acordar o outro e pegar as roupas sem fazer barulho.

Estou virando craque em sumir. Educação é não aparecer. Não uso a lanterna do celular, organizo as mudas dos trajes na cadeira e encontro um jeito de cofre para driblar a ferrugem das dobradiças da porta. Qualquer baque ou barulho, ela acordará. Seu sono é leve. Empreendo uma espécie de missão secreta e uso o banheiro da visita para evitar o alarme da descarga.

Eu me treinei para estar presente quando a esposa está de olhos abertos e a evaporar quando está de olhos fechados. No amor, para não enjoar, é fundamental experimentar todos os estados da vigília: sólida, líquida e gasosa.

Porque é emocionante ser procurado pela casa assim que ela acorda. Eu me sinto um morto ressuscitado. Ela grita o meu nome pelos corredores. Como se eu tivesse fugido da relação. Passo a ser caçado pelos aposentos. Nem respondo de imediato para aumentar o suspense. Quando ela me acha, vejo a sua gratidão no abraço apertado de pijama e no seu beijo absolutamente tranquilo.
E o mais prazeroso, além de sua disposição alegre, é não precisar arrumar a cama. O último que acorda é o que sempre deve ajeitar o quarto.

Publicado em Donna ZH em 20/5/2018

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