Assim é a guerra. Você não entende como começou. Você não entende de que lado estão os bandidos. Você não entende quem mata. Você não entende onde estará seguro.
Você conclui, primeiro, que são balas perdidas, acidentes, assaltos isolados, tragédias avulsas. Deixa passar. Crianças saindo da escola tombam, adolescentes saindo da igreja tombam, casais saindo de festa tombam. Você tenta criar uma justificativa para o fim dessa gente inocente: bairro perigoso, briga de tráfico...
Só que não faz sentido tanta morte, não pode ser exceção, não pode ser casualidade, não pode ser coincidência. Existe um padrão. Porque a maior parte das vítimas é negra, é da favela, é pobre.
Vão desaparecendo as pessoas do bem, executadas, na madrugada, no silêncio da noite. Logo a impunidade não espera nem o sol descer e a matança já não tem pudor da luz e é feita na claridade dos olhos das testemunhas. O crime não é solucionado porque há outro e outro acontecendo. Parece epidemia, mas não é. A generalização leva à banalidade que desenvolve o medo. As notícias não duram vinte e quatro horas, apenas mudam os nomes dos óbitos. Você parte de um enterro para um novo. Ninguém pergunta nada mais para não morrer junto. Aceita-se que é assim, que é uma guerra. A realidade torna-se cada vez menos verdadeira.
Marielle Franco, vereadora do PSOL, quinta mais votada do RJ, ativista dos direitos humanos, não teve tempo de se defender. Fuzilada com quatro tiros na cabeça dentro de um carro na noite de quarta (14/3). Não bastou um disparo, não bastaram dois disparos, não bastaram três disparos. Ela precisava ser apagada com selvageria, com ódio, com certeza total. Para apagar seus posts nas redes sociais, para apagar suas interrogações sobre o estado policial, para calar a sua boca vivaz e intensa de protestos.
Alguém ainda acredita que as vítimas não são escolhidas?
Crônica publicada em 15/3/2018
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