quinta-feira, 21 de março de 2019

A VERDADE SOBRE O 69

Ninguém gosta do 69, ninguém irá admitir que não gosta de 69. É um número que rende mais a piada sacana, a insinuação erótica, do que a concretização de uma realidade agradável.

A acrobacia de Cirque du Soleil não traz relaxamento, mas tensão e desacordo. São duas pessoas na ingrata posição de Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro), serpente que morde a própria cauda. É uma completa indecisão malabarista entre ter prazer e dar prazer. O casal não tem espaço para gemer porque está ocupado fazendo o outro gemer. Não funciona por muitos minutos, começa-se com a posição, que logo é abandonada para a saúde da relação. Há grandes riscos de cãibras, de estiramento muscular, de paralisia da língua. Ou de rir de nervoso. A única diversão garantida é a do medo.

A incompetência masculina talvez gere um desastre. Desde quando o homem sabe fazer duas coisas simultaneamente?

Trata-se sempre de uma página do Kama Sutra folheada com rapidez. “Já tentamos, vamos para a ilustração seguinte”, é o que pensa o par na hora H.

Ambos permanecem nas pontas dos corpos, incomunicáveis. Precisariam de um walkie-talkie para entender o que está acontecendo e receber boletins atualizados da torre.

Nenhum filme pornô ousa colocar a cena, repare!. Se fosse consensual, estaria sendo reprisada eternamente como sequência predileta dos atores.

Atende às pretensões de um conceito acima da prática. Tem uma suntuosidade inacessível, uma fantasia incômoda e improvável dos dois gozarem ao mesmo tempo.

Deveria ser uma modalidade de ginástica rítmica. Não dá para sair fazendo de qualquer jeito, com risco de mordidas e solavancos. A simultaneidade põe em conflito o ritmo de cada um. Só atenderia pessoas absolutamente iguais e compatíveis, de orgasmos emparelhados.

É uma proposta de alongamento antes do sexo, não é sexo ainda. Pode suprir apenas a função de aquecimento para manobras radicais.

O número sempre será destinado para apimentar a conversa, sempre será empregado para criar um clima, mas na prática não é o ideal, não tem a unanimidade sexual na vida amorosa.

69 é uma invenção para constranger e humilhar os casados, não leve a sério.

Crônica publicada em 13/4/2018

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