sexta-feira, 1 de março de 2019

A VALENTIA DOS MINIMERCADOS

Os minimercados são os sobreviventes do afeto. Poderiam estar fechados pela força das grandes redes e das conveniências dos postos de gasolina, mas os seus donos insistem no comércio de bairro, contra os prognósticos. Acreditam na força da vizinhança. Levantam a grade do seu espaço, às vezes uma simples garagem, para acolher os moradores próximos, vocacionados para a palavra mais do que para as cifras.

Representam um serviço comercial quase extinto na comunidade, ao lado das sapatarias, dos açougues, das costureiras, do xerox, das fotografias 3x4.

Eu respeito os pequenos comerciantes porque são imensos na resistência. Não fizeram pesquisa de mercado, não tratam o consumidor como alvo, não reconhecem as pessoas como estatísticas. Gostam de atender simplesmente, talvez num dom herdado da família. Não há lucro de sobra, e sim apenas rendimentos suados para manter o endereço. Estão mais vulneráveis a assaltos e não desistem de recomeçar. Em vez de sonegar impostos com bancas ambulantes, arcam com os tributos e impostos. Pagam para trabalhar.

Não oferecem os melhores preços, pois é truculenta a concorrência com os atacados e varejos, garantem preços possíveis, tentam compensar o valor baixo de um produto com outro um pouco mais alto. Em contrapartida, dividem o chimarrão com quem chega, cumprimentam com energia, conversam à toa, trocam notícias de jornais, não há pressa de fila e vontade de descartar histórias de vida.

Proferem nome e sobrenome em voz alta, dispensam a formalidade fabril de crachás. A família está por trás de cada mínima conquista – é possível ver os filhos ajudando no contraturno das aulas.

Formam a legião de lavradores urbanos, de orgulhosos e teimosos colonos urbanos. Assim como na roça acordavam de madrugada para a plantação, despertam às 4h todo dia para buscar verduras frescas na Ceasa.

Conhecem os consumidores de cor, os problemas e as lamúrias, deixam o balcão para ajudar idosos a escolher frutas e crianças a alcançar os seus doces. Demonstram atenção sobrenatural aos que entram, questionando o que procuram e o que desejam. São adeptos do caderninho, da caneta Bic, da máquina registradora, do cheque, do papel vegetal do pão, do baleiro.

Se alguém não desfruta de condições para quitar a compra na hora, valorizam a esperança. Dão uma segunda chance. A honra e a intimidade têm valor.

Só nos mercadinhos posso ouvir: amanhã você completa, amanhã você vem e resolve, deixa para amanhã. Só no mercadinho ainda existe o amanhã.

Publicado em Jornal ZH em 13/3/2018

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