quinta-feira, 21 de março de 2019

EXÉRCITO DE TARADOS

A facilidade da pornografia na web é sinal de ausência de intimidade.

Como nunca, existe a profusão de vídeos pornôs nos grupos de WhatsApp. Qualquer um pode acessar canais e cenas dantescas do seu celular. O sexo que antes era explícito ficou escancarado. Não existe mais solenidade proibida e reserva para assistir ao material. Não tem mais revistas escondidas em casa e vergonha das taras em público (alguém lembra das prateleiras reservadas nas videolocadora?). Olha-se de qualquer lugar e a qualquer hora.

Os estímulos visuais apenas indicam o tamanho da solidão e da falta de romantismo. Propaga-se a ideia do sexo rápido e imediato, sem enredo, sem aproximação, sem envolvimento. É a cultura de transar por transar. Não cultivamos mais as palavras, o erotismo dos segredos e das juras, as provocações da saudade. Não há o exercício do olfato - de sonhar com um perfume - e da imaginação - será que vai gostar de mim?Não se fantasia como outrora, morreram a véspera e a sala de conversa, não resta nem paciência para chats, vivemos mentalmente trancados num quitinete da carnificina.

O machismo e a ditadura do corpo prosseguem o seu reinado em gifs. Ensina-se a subjugar a parceira na cama, a escravizá-la, a contrariá-la. O que adianta toda a campanha contra o assédio se ainda se partilha compulsivamente a violência sexual na privacidade e exemplos de maus-tratos?

Não há vídeos ensinando a flertar, a seduzir com educação, a respeitar os limites. Ninguém divide bons modos. Bons modos não geram ibope.

O que fará um adolescente hoje diante do manancial abundante de imagens contraproducentes a sua disposição? Será treinado a se satisfazer e nunca dar prazer ao outro. Achará que o encontro é feito de bundas, quadris e seios. Será talhado para somente finalizar no MMA do amor, e entenderá que a força física é superior à força emocional e psicológica. As transas espalhadas são como lutas, com clara implicação sado-masoquista. Puxa-se o cabelo da mulher, bate-se na cintura da mulher, pega-se a mulher mesmo dizendo que ela não quer. Não encontrará sequências de interesse real pela personalidade, não localizará jamais a suavidade do beijo e a recompensa do suspiro.

Ele não terá paciência para esperar e saber o momento. Dos vídeos pulará para os aplicativos desejando se relacionar o mais breve possível e jamais suportando recusas e negativas. Procurará a próxima vítima quando alguém não quiser sexo. Não perderá tempo com o carinho.

Estamos criando tarados. Um exército de brutos e analfabetos sensuais. O cavalheirismo é artigo em extinção, assim como o namoro.

Publicado em O Globo em 06/6/2018

Nenhum comentário: