segunda-feira, 25 de março de 2019

POR QUE O BRASIL NÃO GANHOU A COPA? - ou a falsa hegemonia do futebol sul-americano -

A seleção brasileira chegou como favorita na Copa devido ao seu primeiro lugar nas Eliminatórias, a vaga garantida com antecedência e invencibilidade de Tite.

Houve um tremendo equívoco nesta leitura: somos o melhor selecionado da América Latina, mas não estamos à altura das seleções europeias, que monopolizaram a disputa das semifinais. Essa tem sido a escrita. Como não competimos com os europeus, salvo amistosos, não partilhamos do mesmo patamar de excelência.

A queda do futebol brasileiro na Copa é resultado direto da fraqueza do futebol em toda a América Latina (agravado pela falta de estabilidade política e economias em constante crise).

Para subir novamente e ter chance nas finais, dependemos do crescimento da desenvoltura de nossos rivais vizinhos, como Argentina, Peru, Uruguai, Chile e Colômbia. Porque só jogamos com eles em competições nos quatro anos até a Copa. É uma ilusão vencer qualquer disputa na América, hoje não significa habilitação para conquistar o mundo. Corresponde a um padrão e uma exigência menores do que uma Eurocopa, por exemplo. O destino é ficar entre as oito melhores seleções, é o único direito garantido como demonstrado nos últimos 16 anos.

O que nos aflige é a ideia fora do lugar, expressão de Roberto Schwarz sobre a obra de Machado de Assis: temos um estilo de jogar, caracterizado pela liberdade, finta e alegria, ameaçado e corrompido porque nossos craques unicamente servem a eficiência das máquinas coletivas de marcação e de resultados dos grandes times da Europa. Da seleção, restava um titular atuando no Brasil. Vivemos fora do contexto. Com a cabeça aqui e os pés acolá.

Nossa seleção não é formada em nossos trópicos, mas dos invernos da Espanha, da Itália, da Alemanha e da Inglaterra, com o calendário diferenciado de início e fim de campeonato. É feita, portanto, de retalhos, de transplantes, de emendas e de talentos isolados, sem a convivência disciplinar conjunta e constante. Uma peça fora das engrenagens e o desastre é certo. Dificilmente conseguimos remediar um desempenho abaixo do esperado de um único jogador, como Fernandinho diante da Bélgica. Somos pegos desprevenidos pela derrota. Nunca nos preparamos para perder e trocar de armas.

Os convocados se encontram fora do fuso na preparação e também apartados do contato da torcida brasileira e do feedback direto dos estádios.

Somos dependentes do eurocentrismo. Não temos mais a nobre matéria-prima em nossos campeonatos nacionais. Nossos astros pensam e se articulam como europeus. E são mais facilmente anulados, pois são absolutamente conhecidos pelas suas estratégias. Eles estão comprometidos a um esquema tático de sobrevivência espartana, que não tem nada a ver com as nossas qualidades. Futebol-arte apenas existe no passado, como retropia.

Assim, levamos para Copa um plantel que não joga no país. Nossos dribladores são exportados antes dos vinte anos, como Vinicius Júnior (Flamengo) e Rodrygo (Santos), o que enfraquece a nossa perfomance e exige uma difícil e talvez impossível aclimatação depois, em tão pouco tempo de preparação.

Por isso os times vencedores da Libertadores não conseguem enfrentar de igual para igual o campeão da Champions League. Há um fosso intransponível de técnica. Clubes europeus são seleções, clubes brasileiros são apenas times.

Se o nosso Brasileirão vem sendo desfalcado, os campeonatos argentino, chileno, peruano, uruguaio e colombiano também. Todas as seleções sul-americanas servem apenas como celeiro e fábrica para as potências europeias. A maior parte dos jogadores exerce a profissão longe de sua terra natal.

Os dirigentes não têm condições de manter os seus talentos, nem de variar a dinâmica viciada de seus atletas.

Messi unicamente sabe jogar com o Barcelona. Na Argentina, não tem entrosamento, nem intervalo suficiente para se adaptar. É o melhor do mundo somente num clube europeu. Ele foi domesticado para os objetivos estrangeiros. Como saiu cedo da Argentina, não solidificou os seus laços pátrios como um Maradona (que partiu aos 22 anos, depois de fazer história no Argentino Juniors e Boca Juniors).

A magia da glória do hexacampeonato será um efeito do hábito e do planejamento. Precisamos de mais identidade e de menos passaporte.

Crônica publicada em 09/7/2018

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