quinta-feira, 21 de março de 2019

79 ANOS DE MINHA MÃEZINHA

Minha mãe completa hoje 79 anos.

Nunca sei quando pode ser o último aniversário dela. Não me imagino longe em data tão emblemática, longe de seu abraço de xale, longe de seu contentamento grisalho, ainda que tenha que atravessar o país a nado. Até porque a mãe não consegue encher balões ou soprar velas, seu fôlego sempre foi curto, depende de nosso reforço atrás do bolo.

Eu quase não cheguei em Porto Alegre, dormi forçosamente em Guarulhos, a minha conexão foi cancelada. Foi uma guerra superar as adversidades dos aeroportos desabastecidos. Todos os sinais me indicavam para suspender a viagem e regressar a Belo Horizonte.

Mas eu, obcecado, pensava somente na despedida: não sei quando pode ser o último aniversário da minha mãezinha, da minha Mariazinha.
A mãe me telefonava para dizer que não deveria vir, que era exagero, perigoso, que comemoraríamos depois.
Por que mãe fala o contrário do que sente?
Temos que nos esforçar para inverter as palavras em momentos cruciais e ser literal diante de suas opiniões mais singelas.
Na verdade, ela vive me despistando de suas vontades. Não pretendia dar trabalho. Busca me poupar, não me cansar, não me incomodar, não me sobrecarregar.
Mãe costuma aparecer quando o filho precisa, e desaparecer quando ela precisa.
E o trabalho que vivo dando para ela, desde que nasci, onde fica, quando será descontado?
Ao abraçar a minha mãe nesta manhã, confessei o meu grande medo de perdê-la e que receava que fosse o seu último aniversário.
Ela concordou comigo:
- É o meu último aniversário, acertou
Eu engasguei, tonteei. Não desejava jamais a sua concordância.
Estava prestes a chorar, naquela tensão e mormaço antes de alguma verdade.
- Como assim? Está doente?
- Não, meu filho. Realmente é o meu último aniversário dos setenta. No ano que vem, começamos os oitenta.
Chorei igual, só que dentro do riso.

Crônica publicada em 27/5/2018

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