segunda-feira, 25 de março de 2019

COLECIONADORES DE GELADEIRAS

Mineiro sempre está preparado para uma guerra. Faz estoque. Não conheço mineiro desprevenido. Seu raciocínio é mensal, nunca diário. Ele pensa por esperança.

Fui descobrindo aos poucos frequentando as casas de amigos. Qual o meu espanto diante do sistema de refrigeração de um frigorífico?

Os mineiros não trocam de geladeira, acumulam geladeiras. Colecionam geladeiras. O refrigerador passado nunca é despachado. Permanece com o novo ou na lavanderia. Raciocinam que podem precisar para gelar cerveja ou congelar alimentos.

São boêmios da residência. Não dispensam uma retarguarda, um engradado, uma provisão de ovos.

É como se a CEASA tivesse milhões de filiais.

O preço da luz é o de menos, preocupam-se com o valor da convivência. Como as famílias são numerosas e as visitas constantes, não descartam a duplicidade do eletrodoméstico para providenciar quitutes fora de hora. Recheiam as prateleiras frias com armas secretas e surpreendentes: pão de queijo, feijão tropeiro, jiló, linguiça e carnes para desfiar nas panelas.

A geladeira tem a dignidade de um carro estacionado na cozinha. Um carro para transportar a felicidade até a sala. Para resolver as dificuldades do quarto. Para contornar as crises no sofá.

Eles não param de se alimentar, emendam café da manhã com o almoço com o café da tarde com o jantar. Se gostam de alguém, dão de comer. Se não gostam, dão de comer também para calar a boca.

É um povo que prova a comida de pé e depois senta para realmente degustar.

O que um mineiro não suporta na vida é não ter nada para beliscar. É o desespero na forma das grades vazias, da cela.

Se uma geladeira do mineiro está vazia, tenha certeza que ele está deprimido e perto de se matar.

Publicado em O Globo em 11/7/2018

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