segunda-feira, 25 de março de 2019

DUAS ALMAS

Quando você aceita o amor dos pais é que finalmente amadureceu e se aceitou.

Uma observação simples que guardo, agora adulto, no estojo das minhas medalhas escolares.

Quando você não sente mais vergonha de abraçar e beijar os pais em público, quando você não sente mais vergonha de suas piadas na mesa familiar, quando você não sente mais vergonha do que eles falam de você para os amigos, quando você não sente mais vergonha de seu completo despreparo para localizar a câmera no celular, quando você não sente mais vergonha de alguma roupa ou de algum sapatinho ou de alguma bolsa antiga, quando você não sente mais vergonha do pai aplaudindo um pouso difícil de avião ou da mãe aplaudindo um filme no cinema, quando você se vê livre dos preconceitos que adiam a paz e participa junto do vexame infinito que é viver.

Neste momento, você, tão acostumado a criticar, também passa a confiar nos elogios dos pais. Quem somente presta atenção no lado ruim dos outros não é capaz de identificar o lado bom.

Nunca admitia nenhuma declaração de amor deles porque eu não conseguia me declarar. Achava ridículo me declarar.

Minha mãe sempre me dizia que eu seria filho dela de qualquer jeito. Se eu não tivesse saído de seu ventre, eu sairia de seu coração. Se não tivesse sido fruto de sua gestação, seria árvore de seus caminhos. Se não tivesse partido de sua carne, ainda nos reconheceríamos na rua e do parto de seus olhos.

Eu não acreditava em suas palavras. Hoje acredito. Hoje sei o quanto é verdade.

Existem pessoas tão generosas que vêm ao mundo com duas almas. Como a minha mãe. Quando eu perdi a minha alma, ela me emprestou a sua e ainda avisou que não havia nenhuma pressa para devolver.

Crônica publicada em 13/7/2018

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