quinta-feira, 21 de março de 2019

AS MÃOS DE MEU PAI

Duas mãos juntas, a esquerda do filho e a direita do pai. Como se fossem de um só corpo. Como se fossem do mesmo corpo. Dois homens se amando sem covardia, sem o receio de demonstrar o sentimento em público.

Conheço de cor a temperatura da pele, o peso dos ossos, a força do cumprimento.

As doces mãos de meu pai e as suas manchas comoventes (Deus também borra a sua letra na ânsia da inspiração, e tinge poemas em nossa carne).

As calejadas mãos de meu pai: um pássaro pousando, mexendo com as árvores em torno de nós.

As suadas mãos de meu pai: um pergaminho onde enrolo os meus dedos.

As experientes mãos de meu pai: vejo com nitidez o mapa hidrográfico das veias, os rios de seu sangue desembocando em meu toque.

A mão soberana de meu pai que aperta a minha mão em qualquer lugar, em qualquer idade, para afastar os perigos: eu ainda sou a sua criança atravessando a rua.

Crônica publicada em 30/5/2018

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