sexta-feira, 1 de março de 2019

NAIARA DA MINHA CAXIAS

Eu nasci em Caxias do Sul (RS), ia a pé para o colégio, venho sofrendo o dobro com o desaparecimento da menina Naiara Soares Gomes, 7 anos, sumiço que completa uma semana hoje (16/3). Eu vejo ela andando, pequenina, formiga com a sua mochila pesada nas costas, pelas câmeras de segurança, e fico aflito: como alguém pode fazer mal a um ser tão indefeso?

Eu não paro de rever os vídeos: ela minúscula, de passos firmes e ritmados, conformada com a distância, procurando alguma distração - um pássaro indeciso, um cachorro bravo, uma flor estranha - no meio da mesmice para roubar o seu sorriso.

Mal dá para definir o que calça e o que veste - um conjunto rosa?

Que selvageria é essa que captura uma estudante de manhãzinha? Que maldade é essa que se aproveita da ingenuidade esperançosa das crianças, sabendo que elas não enxergam risco numa pergunta de estranhos?

Ela já sofreu muito para a sua idade: o pai falecido e a mãe morando longe, em Vacaria.

Não há compaixão nem com os anjos? Não há desconto de violência com os pequenos? Não há exceção na escalada criminosa? Não há idade mínima para a infelicidade nesta vida?

Nenhuma criança deveria caminhar mais de dois quilômetros para estudar. Era o que ela fazia para chegar à escola Renato João Cesa, no bairro São Caetano, ainda tendo que testemunhar, na extensão longa do percurso, vans escolares recolhendo os seus colegas confortavelmente em casa.

Ela partiu 6h30 de sexta (9/3) da residência dos tios, onde atualmente mora, e não entrou em sala de aula e jamais foi vista novamente.

Será que a rua Júlio Calegari não tem mais fim? Essa rua nunca mais vai terminar para mim. Escorrega para um precipício sem nome, puro terror e ventania quente.

Como anseio que tudo seja um engano, que logo a polícia descubra uma história inacreditável de extravio. Infelizmente, é improvável. Cada hora a mais é uma semana a menos, o tempo vai varrendo as pistas para longe.

E ela só queria estudar. Só queria estudar. Só queria não se atrasar para a professora.

Crônica publicada em 16/3/2018