quinta-feira, 21 de março de 2019

MAIS UMA CRIANÇA SE MATA EM POA

Há o tabu de não falar de suicídio na imprensa para não inspirar novos casos. Como se a omissão fosse tranquilizadora.

Acabei de ver com pesar que um adolescente, de somente 14 anos, aluno do nono ano de importante colégio da capital gaúcha, tirou a sua própria vida.

Meus filhos morrem junto dentro de mim em cada morte estúpida de um jovem. Eu, como pai, imagino que poderia ter sido conosco, por mais amor que eu possa oferecer. É difícil educar uma criança, acertar a calibragem da ternura e da disciplina, a medida do cuidado e do rigor. Existe o risco de passar dos limites e errar a mão do coração: ou ser protetor excessivamente, ou tolerante em demasia.

Testemunhamos mais uma vítima silenciosa e dolorosa do bullying. Não dá para deixar passar em branco e mentir para as estatísticas desprezando a cova aberta.

É necessário entender que o bullying mata. Não é mais uma brincadeira entre crianças. Não é mais uma chacota provisória. Não é mais um apelido próprio de uma fase. Não é mais um constrangimento que fortalecerá o caráter depois.

Os tempos mudaram. Bullying é onipresente. Bullying é epidêmico. Bullying se espalha velozmente a ponto de inviabilizar um perfil e interromper sonhos.

É caso de saúde pública, para intervenção imediata e esclarecimento popular. Não tem como manter a educação tradicional do mesmo jeito, sem se expandir para a internet, ou seremos afogados no oceano de lágrimas paternas e maternas. A baleia azul e os tubarões da fake news nos cercam de perigo.

As redes sociais transformaram as ofensas em terrorismo. É um sufocamento duro de aguentar para quem está começando a viver. Ainda mais para o adolescente que não conhece o meio-termo (ele é hipersensível, frágil, carente de aprovação, inseguro de sua imagem externa, e capaz de odiar e amar com rapidez e alternância).

Atualmente, diferente da realidade estudantil antes da internet, você sofre durante a escola e depois da escola e sempre. Não há como se fechar no quarto. Não há como se esconder da multidão anônima de agressores.

24 horas na web são suficientes para destruir alguém. Uma reputação é facilmente aniquilada com mentiras e boatos, e toda retratação posterior não compensará o estrago.

Não adianta fechar os olhos, pôr fones e ouvir música alta, não adianta fingir que não está acontecendo, as pessoas não vão parar de falar mal de você. Até que canse de existir e seja a próxima vítima fatal.

É uma pedrinha boba que vira avalanche e a montanha caminha para soterrar a esperança de uma biografia.

A maldade não é mais exclusividade do recreio. Meninos e meninas excluídos não encontram trégua e ferrolho, não tem para onde fugir, pois as ameaças e as afrontas estão piscando incessantemente em seu Facebook, em seu Instagram, em seu Snap, em seu Twitter. A zombaria é espancamento, até quebrar os ossos de uma identidade, esfacelar uma personalidade com memes, emojis e insinuações.

A virtualidade dói fisicamente. Pode-se morrer literalmente de vergonha a qualquer instante, porque um pedido de namoro foi espalhado pelo WhatsApp, porque um ex vazou um nude, porque um colega printou uma conversa privada.

Antes atacava-se unicamente a aparência, agora é por gratuidade mesmo, para alimentar o monstro dos grupos telefônicos com fotos e vídeos engraçados. Mesmo que isso custe a paz de uma família inteira.

Crônica publicada em 16/5/2018

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