quinta-feira, 21 de março de 2019

O MEDO DE NÃO CASAR

A véspera do altar é perigosa.

Tudo pode acontecer. Tudo mesmo. São algumas horas tensas, carregadas de confissões, adrenalina, aventura e ansiedade. É o momento de se calar e não ouvir o conselho de mais ninguém.

Há gente que desiste no último instante, gente que passa mal, gente que chora compulsivamente, gente que ri de nervoso e não consegue parar, gente com crise de soluço.

No dia de meu casamento com Beatriz, eu era o responsável por levar o par de alianças. Desconfiando da minha memória, eu coloquei os dois anéis em meus dedos. Para perder, só arrancando a minha mão.

A fim de conter o estresse emocional, usei a minha derradeira tarde de solteiro, enquanto a noiva se arrumava no salão, em festa e exorcismo de criança.

Convidei os padrinhos e camaradas da escuderia a um banho de piscina. Armamos um jogo de polo aquático, com direito a converter o baixo das cadeiras em goleiras.

Já contava que a bola iria atravessar os muros e cair no edifício vizinho, sempre tem o afobadinho que exagera na força, mas não estava no roteiro padecer de frio no estômago por extraviar uma das alianças.

O imprevisível aconteceu. Uma delas sumiu devido ao atrito e choque da disputa. Eu me dei conta assim que me secava com a toalha.

Faltavam apenas três horas para a cerimônia e precisava encontrá-la no fundo da piscina. Experimentei um terror incomparável. Todo mundo mergulhando de volta, com o rodo dos braços vasculhando os azulejos azuis. Nenhuma cintilação de ouro refletia próximo de nossos olhos, pensávamos que havia perdido em outro lugar. Da felicidade da celebração entrei no estado de nervos em frangalhos, gritava repetidamente uma única sentença: Beatriz vai me matar!

Dividimos os amigos em duas equipes, a do seco, para reconstituir os meus passos dentro de casa, e a do molhado, para continuar a expedição na área de lazer.

Após duas horas, ela apareceu, próximo ao ralo. Uma agulha no palheiro em 11m x 2,5m de água. Restavam 50 minutos para vestir o terno e correr para a igreja.
Quando pus a aliança no dedo de Beatriz, ainda podia sentir o nítido cheiro de cloro. Salvei o meu amor do afogamento e acho que confundi o beijo cenográfico de casado com exagerada respiração boca a boca. É que estava aliviado pelo final feliz e não desgrudava mais dos lábios da esposa. Quase fui apartado pelo padre.

Publicado em Donna ZH em 27/5/2018

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