Meu pai mantinha uma poltrona reclinável no meio da sala, um trono suntuoso e confortável, mas não chegava perto em importância e realeza à da cadeirinha amarela de praia da mãe.
A mãe funcionava com aquela cadeirinha que abria e fechava. Carregava-a para todos os cantos. De manhãzinha, pedia licença para as oliveiras e escrevia poesia debaixo de suas sombras. De tardezinha, colocava na frente da porta, na varanda, para tomar o seu chimarrão e ver as pessoas passarem. Quando recebia uma porção de visitas, deixava o sofá para os outros e plantava o seu assento predileto ao lado.
Sua cadeirinha franciscana, barata, simples, que não ocupava espaço, que ficava num prego na garagem, representava a sua personalidade sempre em movimento, acompanhando os filhos, protestando, aumentando o tamanho da casa.
Ela botava a cadeirinha no porta-malas do carro e ia ao mundo. Participou de greve do magistério com a cadeirinha. Encampou plantões da Defensoria Pública com a cadeirinha. Realizava passeios na orla do Gasômetro com a cadeirinha. Transportava o seu berço na vida, não cobiçava o cantinho de ninguém, não padecia de inveja, não desejava que alguém se levantasse para sentar.
A cadeirinha era a sua gaita de revoluções. Um Piazzolla de noite, um Borghetti de dia. Para a alegria e a tristeza. Para o tango e a canção gaudéria. Recusava o luxo e preferia a mobilidade. E não morávamos numa cidade litorânea, o que aumentava o impacto da cumplicidade. Transgrediu a função de mar pelo infinito de suas tarefas em Porto Alegre. Quando prestei concurso vestibular para Jornalismo, tenho certeza de que fui aprovado porque ela rezava lá fora.
Durante as cinco horas da prova, permaneceu parada na frente da escola, sentada em sua modesta cadeirinha de praia, desfiando o terço sem parar, do crucifixo às pedras, das pedras ao crucifixo. Não arredou o pé dali até aparecer com os canhotos das respostas. Eu lembro que a xinguei, que não era mais criança, que não tinha cabimento ela aguardar tanto tempo no tédio, mergulhada no nada, que podia esperar na comodidade de casa, que dava no mesmo, que aquela vigília apenas aumentava a minha ansiedade.
Mas, no fundo, fazer o teste acompanhado dobrou a minha resistência emocional. Não estava sozinho para perder, muito menos para ganhar. Formamos uma equipe imbatível naquela manhã: ela empunhando o rosário, eu equilibrando o lápis, dois instrumentos da fé. O que eu queria dizer é que a minha mãe não precisa de lugar no céu, ela levará a sua própria cadeirinha.
Publicado em Donna ZH em 11/3/2018
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