sexta-feira, 1 de março de 2019

OBESIDADE AMOROSA

Quem casa engorda. Eu desvendei a origem da obesidade amorosa. Não é boataria dos solteiros. Representa um dado real, uma constatação fatalista. Acontece mesmo.

A causa nem é pelos programas mais caseiros ou pela comidinha feita no próprio fogão, muito menos pelo sedentarismo do sofá.

A motivação decorre das compras a dois no mercado. Antes a lista de compras era individual, com os caprichos pessoais, não havia excesso.

Durante o casamento, para contentar ambos, você autoriza o que a sua companhia quer de supérfluo para comprar o que você quer. É uma troca, um pacto secreto, um jogo de compensações. Assim acaba levando o supérfluo do supérfluo, para não gerar discussão.

Eu, por exemplo, sou apaixonado por sorvete. Não posso ver potes exóticos como pistache, amêndoas e castanha. Perco a razão e o senso de medida. Já a minha mulher tem uma queda por jujubas e pipoca doce - os sacos se esgotam em minutos quando abertos. Acabamos carregando para a casa tudo o que desejamos e fazemos vista grossa para as extravagâncias. Eu não chamo atenção dela, muito menos ela me reprime. A felicidade acolhe os defeitos e não censura a criança dentro de cada um.

O mal está feito porque a ajudo a extinguir a pipoca e as balas, mesmo não sendo muito fã, e ela entra com a sua colher no meu gelado, mesmo não sendo tão adepta. Além de devorar o que gosto, acumulo o que não gosto. Além de se passar naquilo que ela gosta, pela cumplicidade do momento, ela divide o que não gosta. Não existe como ligar o botão da indiferença e do desinteresse e testemunhar a sua pessoa predileta comendo algo sozinha. Soa como um atentado ao romantismo. A vida torna-se perigosamente partilhada.

O sobrepeso do casamento, portanto, tem uma nítida justificativa: ao amar, rouba-se o pecado do outro.

Publicado em O Globo em 21/02/2018

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